quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A Boneca

Dois tiros...

A cidade está calma, silenciosa;
No ar, o silêncio mata
E por entre ares tóxicos e venenos
Soa a sinfonia de dois tiros...

Um pássaro morto jaz no chão
Jaz sem asas e sem bico:
Levaram-no os insectos
Que sobrevivem na terra estéril de cinza...

Recordações, tantas vidas, tantos sonhos!
Agora os incêndios iluminam a cidade
Partes de corpos (do que parece) enfeitam as janelas
O rio que corre na rua é vermelho...

Dois tiros...
Uma criança...

A criança olha, em pé, consigo a boneca
E o seu coração está vazio, ferido
E o chão queimado é humedecido
Por inocência vermelha que, com Sol, não seca...

Menina, criança, não chores!
A boneca, rota, deu-lha sua mãe
Mas a mãe já não está, não lhe pega ao colo
Qual deles, qual dos vultos no chão seria a sua mãe?

És um cadáver, cidade, estás morta
E contigo morrem os sonhos, esperanças;
Queimem-se os vossos telhados de dor e angústia
Derrubem-se as paredes sádicas e hipócritas!

Dois tiros...
Uma criança...

Cai a boneca...

domingo, 16 de outubro de 2016

És




És uma uma névoa de cinza que
Em cada vez se aproximando
Mais me mata e sufoca
Sem que no entanto eu creia
Essa morte penosa...

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O Pássaro Morto

O pássaro está morto
E, como ele, também eu morro aos poucos
Cada vez que recordo,
Com saudade,
A canção do pássaro morto.

O pássaro está morto
E fui eu que o segurei morto.
Não pode voar para o céu.
É escura, triste e fria
A lápide do pássaro morto.

O pássaro está morto e eu adormeço.
Deito-me debaixo da árvore onde cantou-
As folhas caem da árvore sobre mim
E eu fecho os olhos,
Começo a sonhar---

Enquanto eu durmo eu tenho um sonho:
Nele, as flores têm mais cor
A árvore cobre-se de folhas novas
E, inquieto e feliz na janela,
Ouço cantar o pássaro morto...

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Hoje



Hoje chove.
Mas talvez não seja apenas a chuva.

Talvez seja o meu coração
Que tomou o tamanho do Universo
E chora
Cada vez que bate.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

História Trágico-Marítima

O naufrágio que faltava narrar

Outrora naveguei no alto mar
E, em vão, busquei um paraíso.
Mas nunca liguei ao sábio aviso
Que é perigoso teu mar cruzar.

Naufragou minha linda caravela
E me perdi no mar que é teu;
Morreu, também, o sonho meu
De encontrar terra tão bela...

Pouco perco, que esse mal
Não é na certa igual
Ao nunca ter navegado;

Pois mais perdi eu então
Ao ter deixado o coração
Nesse teu mar naufragado...

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Mar


Mar calmo, mar sereno
Como meu lenço de vinho branco
Onde verto minhas lágrimas de tristeza e pranto;
Um dia que, rápido, é instante.
A luz que me aquece reflecte, fulgurante,
A lentidão dos meus passos face à tempestade que se avizinha.

Mar de tristeza, mar de agonia, mar de saudade
Que, em ventos, se torna tortura minha;
Ao longe a terra, mar de tempestade,
Tornada horizonte que de belo nada tinha.

Sob o céu trémulo de vento e que em luz a sustinha,
Movida de alegria e suspensa de tristeza
Pela luz da Lua que em silêncio escuta
Comovidamente por tamanha afoiteza
Avança a gaivota, decidida e arguta
Árias cantando e continuando a viagem
Voa alto e alto é o seu cântico
Na certeza de no mar ter a passagem
E cruzar as frígidas águas do Atlântico.

Como um gemido o mar se altera
Ao dar conta do profundo engano
Da avezinha que nunca soubera
Vir a morrer no imenso Oceano.

Oh, quanto desgosto, quanta tristeza,
Quanta pena pelos céu demonstrada
Quando a gaivota, pelo vento enfraquecida,
Viu no Atlântico a sua última morada!...

Cansada e sem vento que a levante
A gaivota cai com um suspiro
E mergulha nas águas do Oceano
Entregando a vida ao negro Atlante.

Mantém-se calado e suspenso no céu
Que, naquela noite, velou com agonia constante
O motivo de viagem tão esgotante.
Mantém-se calado e assim permanece
Sob as águas frígidas do Atlântico,
Entoado pela gaivota em seu doce cântico
Que conta em certezas para quem não esquece:
"O coração tem razões que a própria razão desconhece..."


sábado, 1 de outubro de 2016

Sem Título II

Jaz o coração no meio da noite escura
Em sete lanças ficou trespassado
Só, triste, mergulhado em saudade
Uma dúvida imersa de amargura:
Saber se é sonho ou realidade...