domingo, 22 de janeiro de 2017

XIII

Soprava forte o vento, o céu ardia
Quando a terra te cobriu e te escondeu
Sabendo que esse coração que era meu,
Cansado de lutar, não mais batia...

Mas eis que te levantas certo dia
E retomas o vigor que era só teu
E meu coração, dorido, estremeceu
Ao ver que tal bem não acontecia...

Fecho os olhos; deixo o coração sonhar
E deixo-me crer, cego, que vais voltar,
Mesmo sabendo tal não ser verdade;

E não tendo mais em vida alma serena
É só morrendo em teu túmulo e sem pena
Que enterro, com pesar, minha Saudade...

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

A Janela


Pelas noites de Verão
Quando assomo à janela
Não é mais do que intenção
De ver brilhar os olhos dela...

(Os seus olhos, duas estrelas
Que busco na escuridão
E que por interesse em vê-las
Firo o meu pobre coração.)





Quando a tarde é chuvosa
Ou é bela a manhã fria
Vejo-a andando vagarosa
Sem cuidar que eu a via.

Traz consigo no regaço
Sete rosas que colheu
Junto com meu coração
Que nunca me devolveu.

No fundo do meu castelo
Anda de um jeito que é seu
E procura-me p'ra me dar
O amor que prometeu.




Senhora dos meus sonhos
Que tal perfume emana
Eu sou rei, mas vos escolhi
Para minha soberana!

Nos seus cabelos cor de corvo
E sem temer tal abandono
Lhe coloco um diadema
E a sento no meu trono.

E ao acordar dentro de mim
Sabia tal não ser verdade
E na cabeça estando o sonho
No coração está a saudade...




Mas se a vida é linha frágil
Muito matam os ciúmes
E um anjo arrebatou-ma
Com uma espada de dois gumes.

Numa noite (sorte triste!)
Em vão esperei à janela
Passam horas, chega o dia
E nem houve sinal dela.

Fecho a porta, saio à rua
Pelos caminhos que passou,
Cada ponte, cada estrada,
Cada pedra que pisou.




Logo ouço um som funéreo
E sigo o órgão que tocava
E eis que encontro morta
Aquela dama que eu amava!

Se a sua pele branca
Era a seda de uma rosa
Hoje é a capa da Morte
Que a colheu, invejosa.

No cortejo à frente avança
Para a sua última morada
Um trono que julgo triste
Para a dama minha amada.

O coveiro solitário
O seu caixão negro encerra
E escondendo-o do Mundo
Cobre-o, fundo, com terra...

... Passam dias, passam anos
Que perdi minha adorada
Da alma resta a memória
Do corpo não resta nada.

Para mim não mais as noites
Têm estrelas para olhar
A minha estrela está no céu
E não a posso alcançar.

Hoje quando vejo um vulto
Estando à janela baça
Desolo-me ao descobrir
Que não é ela que passa.

Apesar do tempo feito 
De sua morte apercebida
O meu ser insatisfeito
Ainda hoje lhe dá vida´
Quando, triste, insinua
Ter visto o seu sorriso´
No fundo da minha rua
E a verdade dura e crua
Ainda faz meu coração
(Que não curou uma ferida)
Pelas noites de Verão
Quando assoma à janela
Ainda ter a ilusão
De ver brilhar os olhos dela...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

XII

Tirana, de coração avarento,
Que me manténs em prisão feia e triste
Por que é que para ti alegria existe
Em criar nas almas fracas sofrimento?

Tirana que, no momento primeiro,
O meu cárcere, espreitando, sorriste,
Conserta esta vida que partiste,
Deixa de me querer teu prisioneiro!

Abriste-me a cela com som ruidoso
No fim pude ver um Sol luminoso
E vi-me enfim livre da austera prisão!

Mas de que valeu, então, se em verdade
Mesmo que o corpo cante liberdade,
A ti estão presos minh'alma e coração?

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

A Chave d'Ouro

Era uma tarde de Outono
De um Novembro bem dourado
E eu carregava uma caixa
Que necessitava cuidado.

Uma caixa de madeira
De flores ornamentada
E envolta em veludo
Ia uma chave dourada.

Essa chave, que abria?
Mas que abria, pois, senão
Um pesado, ferrugento
E desditoso coração?

(Coração que abandonas
O teu gosto mais sagrado
Eu tentei deitar-te fora
Pois me eras muito pesado.

Estás em estado lastimoso!
Perdoa, coração, perdoa
Este ser inconformado
Que tantas vezes te magoa!)

Era uma tarde de Outono
Um anjo apareceu do nada
E tentou tirar-me à força
A minha chave dourada.

Quanta pena eu não senti
Desse anjo desgraçado
Pois seu pobre coração
Lhe havia sido tirado!

Num ápice de compaixão
Eu mesma lhe dei o meu
Levou-o, deu meia-volta
Nunca mais mo devolveu.

Durante dias e dias
Procurei viver a jeito
De procurar ocultar
O vazio do meu peito.

Na calçada de uma rua
Encontrei-o abandonado
O meu pobre coração
Tão desfeito e magoado!...

Estendi-lhe os meus braços
Com cuidado o agarrei
E com medo de o perder
Com mais força o abracei.

Antes de o tomar por meu
Peguei na chave dourada:
Quando abri o coração
Dentro não havia nada!

Coloquei-o no meu peito
Com a alma lacrimosa
Pois se lhe havia espetado
Os espinhos de uma rosa.

Mesmo tendo o coração
Meu peito ficou vazio
E num lance impulsivo
Atirei a chave ao rio.

(Era uma tarde de Outono
De um Novembro bem dourado
Que me deixou destroçado
Pois para meu desalento
Fiquei com o coração
Sem brilho e ferrugento.)

Permanece a chave d'ouro
No rio desde essa data
E nunca mais ninguém abriu
O meu coração de lata.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017


XI

Ornada pela Lua a noite corria
E o vento forte e gélido cortava
E um peito fraco em vão segurava
Um rubro coração que, triste, batia...

Coberto de ira o meu ser ardia
E; raivoso, contra Deus gritava
Ao ver que aquela dama que eu amava
Envolta em meus braços, por fim, morria:

"Ah! Como dentro de mim Te condeno!
Que a tragas de volta de volta não peço: ordeno!"
E passada a ira, responde Deus:

"Tudo quanto eu crio tem o seu lugar
E carrego ess'alma que tu vês findar
Que o lugar dos anjos é aqui nos Céus..."

sábado, 7 de janeiro de 2017


X

Soprava trémulo e mortal o vento
No dia que te roubou, secreto, a vida
Que, no final, já estava dorida
P'lo tempo que passara tal tormento...

Com a alma de passado turbulento
E, no fim, vendo a Morte apercebida
Ainda fitaste com expressão ferida
A gélida face do Sofrimento...

(Sai a alma de um corpo mutilado
Estanca o sangue no coração parado
Cansado de bater p'lo seu fadário.)

Perdoa-me! Por fraco me ter tornado
Por no fim não te ter acompanhado
Pelo duro suplício do Calvário!...

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017



IX

Ecoava no bosque uma ave cantante
Quando fugia da cruel Medusa
Que não aceitava a minha recusa
Em me tornar seu eterno amante!

Reflectia o Sol o escudo brilhante
Numa linha luminosa e difusa
E como por dentro o mal não se acusa
O silvo da espada ecoa, vibrante.

(Corta-se a cabeça; a besta está morta
Olhei, absorto, a lâmina que corta
E um rosto por maldade deformado)

Que me fizeste, que mal, que magia
Se só de te olhar, ó Górgone fria
O meu coração em pedra foi tornado?

domingo, 1 de janeiro de 2017

VIII


Por cada mal da vida uma ventura
Que o Destino a cada um tem reservada
Mas a primeira a mim está destinada
Mais suas penas de tristeza e de tortura!..

Se p'ra mim restam penas, amargura,
Vejo cada outra sorte ser tomada
Não por mim, de existência magoada,
Mas p'lo alheio, que sempre bem figura,

Tenho saudades do tempo em que sorria
Daquele do qual tenho em lembrança
Venturas, boa sorte e alegria:

Ah, quem dera voltar a esse dia
Essa vida de bem-qu'rer e de Esperança
Dos dias de ventura em que te via!...