domingo, 25 de fevereiro de 2018

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Breve

Um homem de elmo e cruz brilhantes
Atravessa uma longa escadaria;
Na tela, uma estátua transfigurada
Chora sobre um corpo lágrimas de pedra
E ali a moldura olha-nos, titubeante, 
Suspensa sobre a fragilidade das coisas

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Nocturno II

Ó branca noite dos sussurros e segredos
Que vou deitando, devagar, à cabeceira
Manda chamar a Lua tua mensageira
Manda-a romper do seu negrume os arvoredos;

Manda-a acordar como se fora um novo dia
As avezinhas que no céu já vi cantando
E nos outeiros o rio mando que corria
Possa afagar os meus anelos como dantes...

E quando o Amor vier voltar a sua face
A quem lhe reza com o coração nas mãos
Vem só, noite nova, aspergir nos sonhos vãos
Aquela estrela que a saudade quer que enlace;

E ela brilha, com fulgor, nos olhos dela
E ela clama por quem a queira olhar assim...
Ó branca noite, que os amantes acautela
Possa essa estrela vir morar dentro de mim!...

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Da Apatia

Sinto-me.
Não sei como me sinto.

Se albergasse em mim um deus qualquer
Cansado das quezílias do seu posto
De ferro e fogo e homens de barro, e cornetas
E trombetas
Troando nas montanhas durante algum Ragnarok;
Ou se, para efeitos de um qualquer desvario
Um palhaço louco se acometesse à multidão expectante
Num laivo de anedota tragicómica;
Ou se ainda, não refeito da sorte aborrecida,
Viesse um poeta taciturno de pena em riste
Os olhos meditando, o lábio tremendo
E, em me tomando por uma página em branco
Ditasse os seus laos, verbos, conjuros
Que profanassem como raízes o coração aberto em dois;

Talvez assim eu me sentisse ao menos como se soubesse
Como se em sabendo o que sentir me desse o mando
De poder sentir ao menos coisa nenhuma
Que é dizer, de saber-me ao menos morto
E irremediavelmente morto
Sem noites de estrelas, ou sonhos, ou flores e lençóis de renda
A enfeitar o passo lento das horas mortas...


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

XLVI

Eu sou o porto d'oiro onde nasci
O barco que procura eternamente:
Eu sou da desditosa e nobre gente
E canto o que não cuido e que não vi...

Eu sou os sonhos claros que colhi
Trago por escudo duro os céus, somente;
Eu sou o vulcão escuro, forte e quente
Que crava a terra plana de rubi!...

Eu sou. Tomo ilusões por minha estrada
E deixo no mar d'alma macerada
As velas dos veleiros, sós, passar;

Eu sou de ser quem sou ou tudo o nada
A sombra vagarosa, iluminada
De estrelas no céu turvo a soluçar!...

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Opheliorum

Perdido, bóias sobre as águas. Ao longe,
Encoberta sob o sol do meio-dia
A Lua avança pesarosa e, cismando,
Vela longe e alta o teu corpo morto.

Recolho-o no meu seio. O teu corpo frio
Beijado pelos nenúfares embevecidos
Conta a história dos arbustos e dos líquenes
Daqueles que cresciam junto à fonte
De que os sedentos de amor bebiam...
Quebrados, junto ao peito inerte,
Dois juncos baixam as cabeças adormecidas...

Que dizer, meu amor, das esperas
Pelas quais, em abrindo o véu de estrelas,
Escrevíamos altas preces na noite escura
Esquecidos já os sonhos, longe a calma
O rio cantando azul e na minh'alma
Cirandando sem cessar e a compasso
O som do coração que se condena?
Assim passou a espera e passou longa
Longa de leves longos rios levando
E a vida, a nossa, meu amor, edificando!

Anoiteces; na tua testa ápia
Leio os sinais de luz que te levaram;
A pele verdejando da água que te embalou
Beijo-a eu com rosas viçosas nos lábios.
Julguei querer-te assim, eternamente,
Endymion dormindo nas minhas mãos de Lua
Sereno eternamente, como quem espera
Dos deuses a promessa do novo dia!...

O rio passa como a vida que passa
O remo do barqueiro serpenteia sobre as águas
Ninfas de água doce beijam-te os pés defuntos
E cabelos dos chorões que se debruçam junto ao rio
Vão sobre os teus olhos negros balouçando...

Ao longe o mar medonho se amotina
Bordas do rio, leitosas, vão subindo
As flores brancas de nenúfar fecham as suas corolas
E as ninfas afastam-se num suspiro dolente
O teu corpo reclama-o o mar e, com ele,
A imensidão de um mundo que não mais te conhecerá os ossos...
O teu corpo é um veleiro branco, deslizando para o mar
Dedos de mastro, mãos de quilha apodrecida
E sem a alma que o ensine a navegar.
Os meus lábios de rosa perdem a cor, macerados
Caem pétalas de sal dos olhos tristes
E os espinhos da roseira junto ao peito
Cravam sem dó nem pena o coração.
Longe, o teu corpo é só mais uma váguea perdida
As ondas do mar salgado por mortalha:
Em ti navegam todos os sonhos simplesmente mortos...

(Do barqueiro não espero pena ou caridade
Antes levo o óbulo servilmente na minha boca
E debruço a fronte triste em seus joelhos
"Dorme, dorme, meu amor,
Dorme com os anjos do mar...")






Adeus, adeus meu amor
Não mais a terra, a fonte é já perdida
A seguir só o horizonte áureo em que te sonho...

Adeus, meu caixão de vidro... e é sonhando
Que vejo os teus olhos de sol e os suponho
Num reino de não sei como e não sei quando!...


quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Tempus Lactis

An tSráid na Bríde

Na mais escura das noites
No mais secreto dos céus
A chama leva a noite;

Não sabe por quem brilha ou por quem ver
Não queima, sendo sua, a branca Lua
Só sabe ser a pena que flutua
Por entre a sombra clara do amanhecer.

A chama leva a noite e leva a terra
Saltando mão em mão pelas campinas
No céu a estrela d'alva, no chão neve
Beijava serenas flores pequeninas
E nos campos da noite ternamente
Tremendo nos estames da amargura
O Sol chegou em flor e, sem aviso,
Em cada pé de terra mansamente
Fechou em cada esquina a Lua escura
Sorrindo na corola dum narciso...