segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Opheliorum

Perdido, bóias sobre as águas. Ao longe,
Encoberta sob o sol do meio-dia
A Lua avança pesarosa e, cismando,
Vela longe e alta o teu corpo morto.

Recolho-o no meu seio. O teu corpo frio
Beijado pelos nenúfares embevecidos
Conta a história dos arbustos e dos líquenes
Daqueles que cresciam junto à fonte
De que os sedentos de amor bebiam...
Quebrados, junto ao peito inerte,
Dois juncos baixam as cabeças adormecidas...

Que dizer, meu amor, das esperas
Pelas quais, em abrindo o véu de estrelas,
Escrevíamos altas preces na noite escura
Esquecidos já os sonhos, longe a calma
O rio cantando azul e na minh'alma
Cirandando sem cessar e a compasso
O som do coração que se condena?
Assim passou a espera e passou longa
Longa de leves longos rios levando
E a vida, a nossa, meu amor, edificando!

Anoiteces; na tua testa ápia
Leio os sinais de luz que te levaram;
A pele verdejando da água que te embalou
Beijo-a eu com rosas viçosas nos lábios.
Julguei querer-te assim, eternamente,
Endymion dormindo nas minhas mãos de Lua
Sereno eternamente, como quem espera
Dos deuses a promessa do novo dia!...

O rio passa como a vida que passa
O remo do barqueiro serpenteia sobre as águas
Ninfas de água doce beijam-te os pés defuntos
E cabelos dos chorões que se debruçam junto ao rio
Vão sobre os teus olhos negros balouçando...

Ao longe o mar medonho se amotina
Bordas do rio, leitosas, vão subindo
As flores brancas de nenúfar fecham as suas corolas
E as ninfas afastam-se num suspiro dolente
O teu corpo reclama-o o mar e, com ele,
A imensidão de um mundo que não mais te conhecerá os ossos...
O teu corpo é um veleiro branco, deslizando para o mar
Dedos de mastro, mãos de quilha apodrecida
E sem a alma que o ensine a navegar.
Os meus lábios de rosa perdem a cor, macerados
Caem pétalas de sal dos olhos tristes
E os espinhos da roseira junto ao peito
Cravam sem dó nem pena o coração.
Longe, o teu corpo é só mais uma váguea perdida
As ondas do mar salgado por mortalha:
Em ti navegam todos os sonhos simplesmente mortos...

(Do barqueiro não espero pena ou caridade
Antes levo o óbulo servilmente na minha boca
E debruço a fronte triste em seus joelhos
"Dorme, dorme, meu amor,
Dorme com os anjos do mar...")






Adeus, adeus meu amor
Não mais a terra, a fonte é já perdida
A seguir só o horizonte áureo em que te sonho...

Adeus, meu caixão de vidro... e é sonhando
Que vejo os teus olhos de sol e os suponho
Num reino de não sei como e não sei quando!...


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