sábado, 25 de fevereiro de 2017

Oráculo




Cantando vêm as brisas de Austro
Ao longe, um pássaro canta
E sem olhar o mal que me espanta
Caminho por entre arcos, colunas.
O oráculo está ali, perto uma árvore
(Das tão velhas como os tempos)
Geme com o vento que a molesta...

Cantando vêm as brisas de Austro
E trazem vozes de ninfas, sereias:
Segredam-me histórias ao ouvido
E alheio ao vento, sem qualquer sentido
O oráculo de Delphos quieto como a árvore
Geme canções; tanjo a minha lira
Puxo uma corda e o som nasce...






Cantando vêm as brisas de Austro
E, secretas, roubam os meus sons
Quando os trocam por ti na calma
Ninfa sem deus, sem terra, ompharum
Uma corda parte e um som metálico
Abafa-se no murmúrio dos meus lábios
Ao pronunciar o teu nome:
             - Eliane.

Pois se não foste tu a quem, ao raiar do dia
Com minha lira, como que por magia
Fiz cruelmente a ânfora estalar!

Mas a que vens, vens p'ra te vingar?
Não te vingas e com belos olhos
Estendes a mão, consertas-me a lira.



Devolves-me a música, mas não sem um preço
E eu próprio sei que então mereço
Depois de tal crime exemplar castigo

E ao sair, ofegante, do templo
Castigaste (e que sirva de exemplo)
O meu coração, que levaste contigo...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Delphos

Vi-te na estrada para Delphos
Com a ânfora segura à cabeça
Escorre água do barro desgastado
Percorre os dedos compridos e finos
E desce por um rosto direito e delgado
Ramos de uma árvore
Prendem-te os cabelos escuros...

Vi-te na estrada para Delphos
A estrada estreita e infindável
Ao longe as colunas esguem-se no céu
Voluptas jónicas enrolam o nevoeiro
O altar de onde desceste
Parece mais vazio sem ti
Com uma lira partida Orpheu encanta as nuvens...





Vi-te na estrada para Delphos
E foi essa estrada que me levou a ti
Saíste do frontão de pedra triangular
Mas o que fizeste!
Agora até o mármore do templo
Suspira a tua ausência!...

De melhor maneira que o próprio Orpheu
Minha lira encantada chorou, gemeu
E a tua ânfora estala; a água verte...

Vi-te em Delphos, pelo raiar do dia
E lá te deixei, estática e fria,
Eurydice em pedra, sem ânfora,
                                                   - inerte.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Thalatta

Lá, onde a morna brisa aquece
A minha terra, à beira-mar
Alheado e sem pensar
Vejo o Sol que adormece...
Lá, onde a brisa aquece
Barcos vejo a navegar...

Ondulando as ondas de ontem
No amanhã que virá
Sonha hoje (quem saberá?)
Pelas amarras que se soltem
Ondeando as ondas de ontem
(Há quanto tempo estará?)...

Vejo dormir os veleiros
Lentos, pondo-se a sonhar
Por quem os vá navegar,
Do seu sono prisioneiros;
Vejo dormir os veleiros
Na minha terra, à beira-mar...



E uma onda vai, uma onda vem
Vai o pensar, vem a lembrança
Vai a saudade, vem a esperança
Vão os meus olhos por ninguém
E uma onda vai, uma onda vem
E a longa praia não descansa...

(Na proa do meu navio
Usando o mar como estrada
E levando em riste a espada
Olho o areal vazio
Na proa do meu navio
Ao raiar a madrugada...

Com um rápido movimento
De minha espada, arma mortal,
Espero o dar do sinal
E com a força do vento
Com um rápido movimento
Parto a barreira de cristal...

Mas o céu esmoreceu
Com o feito que eu fiz.
E, não podendo de feliz,
Canto para o areal que é meu
Mas o céu esmoreceu
E o vento ouve e nada diz:

"Abram portas, sou chegado!
Abri-vos de par em par!
Depois de muito lutar
O cristal está quebrado!
Abram portas, sou chegado!
Cheguei e venci o Mar!"

As portas fecham; foi em vão
Não me querem receber
Vejo o Sol se esconder:
Deixam-me na solidão
As portas fecham; foi em vão
O que eu estive a combater.)

Estas e outras coisas sonho
Vendo o que o mar revela
Sonho a minha caravela
Navegante me suponho
Estas e outras coisas sonho
Quando estou à janela...

São minhas as ondas que teço
No meu reino de fim do mundo
Quando eu, por um segundo
Outra vida não conheço
São minhas as ondas que teço
E é minh'alma um mar profundo...

(Sei que algures, na alvorada
Está a rainha saudosa
Está Anfitrite, portentosa,
Nas suas ondas deitada
Sei que algures na alvorada
Está terra mais formosa;

Sei que já fui rei um dia!
Sei que já dancei com fadas
Tive tristezas fadadas
Que por algo eu morria
Sei que já fui rei um dia
Numas terras encantadas...)

... Lá, onde a morna brisa aquece...
... Ondulando as ondas de ontem...
... Vejo dormir os veleiros...
... E uma onda vai, uma onda vem...
... Mas o céu esmoreceu...
... As portas fecham; foi em vão...
... Vejo o Sol se esconder...
... Estas e outras coisas sonho...
... São minhas as ondas que teço...
... Sei que já fui rei um dia!...







Lá, onde a morna brisa aquece
Em meu país sossegado
O Sol se encontra deitado
Quando, no fim, anoitece
Lá, onde a morna brisa aquece
E, ouvindo o vento cantar,
Abrem-se portas de par em par
A minh'alma adormece
É um veleiro a navegar
Num mundo que desconhece
A própria terra se esquece
E nada existe...
                                   - só o Mar...


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Ode Musical


XVII

Levantai-vos, Eliane! A tuba troveja!
Levantai convosco a calma, a vida
Que nem mesmo voss'alma adormecida
Sonhou com o que o presente almeja!

Iguais dotes Adonaide deseja
E com Anfritrite a Lídia atrevida
Vos enganou e de mente perdida
Rompeu vosso manto, roída de inveja!

Logo eu lhes brado: "Cosei-me esse manto!
Pois como ousais fazer entrar em pranto
Minha senhora com voss'alma mesquinha?"

Entrai! Rufa o tambor e a trompa ecoa
E sou eu, Rei, quem vos torna e coroa,
De Alcippe da Música, a sua Rainha!

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

XVI

Pálida, vais andando em passo lento
Paladina do encanto e formosura
Com um sorriso fino em tua boca pura
Mais o teu cabelo negro solto ao vento

Do meu coração bater sois o alento
O teu ar anoitece a própria alvura
Cada palavra que soltas é doçura
E o mel do teu olhar é meu sustento

Mergulhando em tua voz e face calma
Sinto consertar por fim a minha alma
E é o mal perdido e a dor vencida;

Mas por que a tal sentir me torno esquivo
Se o desejo de te ver me mantém vivo
Mas morrendo para ti encontro a vida?

domingo, 5 de fevereiro de 2017


XV

Célere o fim chegou com altivez
A terra se rasgou e se escondeu
Ouviu-se ribombar: o céu gemeu,
O ar tornou-se vidro e se desfez...

E tão grande foi o caos que se fez
Que, tudo passado, descobri eu:
Apenas o meu coração tremeu
No dia em que te vi última vez...

Mas eis que tu regressas certo dia,
Avanço e abraço-te... será magia,
Visto que desapareces sem eu querer?

(Nessa noite a saudade me invadia
E tão grande é a dor que me angustia
Que já nem um simples sonho posso ter...)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017


XIV 

Saudades são verter pedaços d'alma
Um rir que é chorar continuamente
Morrer pela memória inutilmente
Ausência é mais um mal que não se acalma.

Repousa em teu sepulcro sempre calma
Que velarei teu corpo fielmente
Enquanto penso triste, amargamente,
Na tua morte que matou minh'alma...

... E enquanto a minha alma desolada
Ainda não esqueceu, amargurada,
Aquela dor imensa de perder-te

Só me resta aguardar a minha sorte
Em esperar o dia da minha morte
P'ra entrar no Paraíso, tornar a ver-te!...