quarta-feira, 26 de julho de 2017

Apoteose do Poeta I



Lembro-me como se tivesse sido ontem...

Era de tarde quando uma voz se ouviu:
"Eis o poeta que sobe a montanha!"

O céu era azul; o Sol era ameno
E o poeta, mudo e quedo como as flores,
Escondia pela flauta suas dores
E cantava, em voz sumida, ao céu sereno:






"Abre uma rosa na neve branca e pura
Envolta em cristais; o vento frio ruge
E adivinhando o destino para que surge
Acorda e remete em rubra doçura
Que a é pelos espinhos, pelo perfume
Desta rosa na neve branca aberta...
Que, de rubra cor, então desperta
A própria luz do Sol que assume
Num raio apesar de apaixonado:
'De tão esquivos olhos não moura e pereça
E embora o coração sofra e sem proveito
Teima em escrever no mármore abandonado
As treze letras que juntou dentro do peito...' "






Cantam os rios, as cigarras, os grilos
Ao longe, um pássaro pia
E um cão, alegre, corria
Atrás de um pato que, em susto, grasnava.
O vento dança com as árvores
E o poeta puxa de uma pedra
Dura e fria como o gelo, mas
Que para ele era uma nuvem branca e leve
E na qual deita a sua cabeça de borboleta;
Fecham-se os olhos, abrem-se os sonhos
E o poeta já não dorme: voa
E com ele as suas flores, a sua flauta, as suas nuvens
Anjos levam-no envolto em braços
E sentam-no numa cadeira de ouro
Na qual o poeta, com olhos baços
Chora pelo coração que, sem proveito,
Deixou pela Terra, pelos seus versos,
As treze letras que juntou dentro do peito...

domingo, 23 de julho de 2017

Cançoneta




Formosas
Dolosas
Pelos céus
As aves perdem-se no mar sem fim
Formosas
Penosas
Num adeus
Sem sabê-las como sendo iguais a mim.

Lisboa, nau da imensidão
Tem as gaivotas por coração
Correm o mar, campos em flor
Por outro ar e outro amor.







Formosas
Penosas
Aves quais
Em teu olhar tocam o azul do céu
Formosas
Dolosas
Penosas
Longe do cais
São sonho meu
E nada mais...


quarta-feira, 19 de julho de 2017


XXXI


Me fez Eros cruel seu servo triste
Das lágrimas que chorei fez seu furor
Pois não quer em meus versos ver Amor
Mais mágoa e mentira que persiste...

A alegria em ter quem quero não existe
E escolhi quem me não quer e criei dor
Veio outra à qual me dei sem ter pudor
P'ra esquecer quem tanto quis d'alma em riste...

Do Amor, meu soberano, é a vontade
Que me dê a amores falsos e insanos
Sem nunca ter quem amo de verdade

E fazendo uso vil de tais enganos
Assim Eros me escolheu sem piedade
P'ra eterno prisioneiro de seus danos...

domingo, 16 de julho de 2017

XXX


Se o papel se não queimasse fraco e quente
Numa chama sumptuosa de calor

Não seria necessária esta dor
Que me traz a um piano eternamente

Procurei falar palavras, descontente,
De versos mal cingidos fiz amor
Construí mil prosas abertas em flor
Mas o nosso idioma era diferente...

Hoje falo como tu e que entendas
Que estas notas magoadas que desvendas
Não são mais o que a saudade anuncia;

Cada nota é um desejo que eu suponho,
Não são sons mas sim beijos que num sonho
Te embalam como a luz de um novo dia...


segunda-feira, 10 de julho de 2017


XXIX


'Stava Vénus, deusa-amor, assentada
Os seus longos cabelos penteando
Cor de mel, cor do Sol e lume brando
Na sua pele branca aveludada.

Brincando perto da mãe delicada
'Stava Eros suas setas afiando
E Vénus, terna e doce, o afagando,
Dá-lhe um beijo na bochecha rosada.

Nisto belo mancebo se aproxima
E Eros, à pobre mãe que tanto o estima,
Fere-lhe o coração quase de morte:

"Nunca" geme "qu'reis d'Eros ser senhores
Pois vêde como a deusa dos Amores
Tem p'ra seu coração tão pouca sorte!..."


sexta-feira, 7 de julho de 2017

XXVIII

Perdida em noite vil, na praia gris
Coroada p'la Lua cor de prata
Sente-se um ar que de seu peso mata
Envolvido em duras sombras, vãs e vis.

Duas pedras fazem de anjos seus covis
Cada uma sem a forma ou cor exacta
E das quais se ouve, tal qual serenata
Uma voz lamentosa que assim diz:

"Boa gente que chega, tem cuidado
Pois muito vi chegar, penando, a jeito,
Mais gente que lamenta ter pecado

Sem perceber por si só o tal preceito
Que não há mais penoso ou triste fado
Que o pecado de algo se não ter feito..."

terça-feira, 4 de julho de 2017

Soneto Alexandrino

XXVII

Não guardes mais, meu amor, minh'alma triste
Não guardes mais, nem a cuides, nem dês alento
Que em almas que se habituam ao sofrimento,
Por mais que o evitem, ele persiste...

Tentando curar meu espírito, mo partiste
Ou sou eu que não sei viver sem um lamento;
Vai então, leva os meus beijos em testamento
E esquece os meus olhos mais o que neles viste...

Meu coração é uma rosa macerada
Que desfolho no meu espírito e no meu peito
A troco de sonhos vãos e de quase nada;

E é só criando devaneios, universos,
Que 'inda encontro, de meu modo tão contrafeito,
Consolo nas lágrimas claras dos meus versos...

sábado, 1 de julho de 2017

XXVI

Chegaste um dia a meu trono sob'rano
Agrilhoados teus pulsos de flor
Marmóreo ser do meu sonho de amor
Que em malvada hora me cobriu de engano...

Deixei-me guiar por credo tirano
E sufocar por meu ser em vã dor
E no meu reino do qual sou senhor
Pensei acabar com teu jeito insano...

E olhas e dizes, de rosto parado
- Que em tuas mãos eu não morra ou pereça!
E meu coração ficou destroçado...!

Mas que vejo eu, teu poder começa?
E e não me qu'rendo de novo em tal 'stado
Ergo-me e brado: - Cortem-lhe a cabeça!