quinta-feira, 31 de agosto de 2017


XXXIII


No alto do Castelo da Poesia

Desfolho-me em versos por mim chorados
Uns mais pintura e outros mais cantados
Outros verdade e outros fantasia...

Orquestras de sonhos eu conduzia

Mais coros de sonhos crucificados
E uma ave, de olhos ensanguentados,
Sentada num banco olhava e ouvia...

Eis que então avisto os anjos celestes

E eu, como quem não 'spera e não crê,
Aceno, grito, dispo as minhas vestes...

Os anjos passam e fico à mercê

De espectros, de sonhos, de aves agrestes
E ninguém me ouve, nem ninguém me vê...


segunda-feira, 28 de agosto de 2017

XXXII

Só, vejo-te deitada, meu amor
Com os teus cabelo ruivos ao vento
No regaço, em profundo desalento,
Vai murchando lentamente uma flor.

Contudo a vida é breve e sem pudor
Te extinguirá, ninguém lhe está isento,
Como essa flor que outrora, num momento,
Colheste viçosa e que não tem cor...

Mártir breve da sorte e do Destino
Não és mais que um choroso violino
E que se irá perder em bruma fria;

E é só com a lembrança abandonada
Que p'ra sempre te encontrarei deitada
Tão clara e pura como a luz do dia...


sexta-feira, 18 de agosto de 2017

As Portas da Montanha


Vem, meu irmão que te aproximas,
Segue o teu caminho, escuta a minha voz
Aquela que ouves, perdida, no nevoeiro cinzento
Aceita o meu convite e descansa os teus pés cansados da viagem
E a ti te dou a minha bênção:
Comigo tenho a chave das portas da montanha
Leva-a e entra, mas quando abrires as portas
Marca o teu rosto como chave para a visita
E imagina seres um cântaro vazio
De que os deuses se esqueceram, abandonado à sua triste sorte
E nessa altura eu seguirei contigo
A minha voz na tua cabeça
E a montanha no teu coração…

Vem!
Vem que eu ensino-te a fazer navios de cascas de nozes
E o deleite de neles ensinares os teus sonhos a navegar
Ensino-te a atravessar os caminhos sem deixares pegadas que sejam tuas
E a magia de sentires uma estrela brilhante dentro do peito
E todo tu te abrires em flor…
Por entre a escuridão das terras revoltadas descobrirás o calor do Inferno
Mas que as suas chamas são a vida para o Paraíso que transporta
Onde o verdadeiro diabo não é mais que um artífice
Que amassa a argila que os deuses criaram…

Podes pertencer aos homens e alguns homens pertencerem-te a ti
Podes guiar mil seres e outros tantos beijarem-te os pés
Podes deitar as mãos ao barro e dele fazer maravilhas
Que, no fim, quem te seguirá com fé inquebrantável?
O que sobreviverá ao tempo imperdoável?
Quem te amará tanto como a si mesmo?
Apenas as montanhas continuarão a erguer os seus pináculos de catedrais
Apenas os campos darão o seu regaço ao luar
Apenas os sinos do alvorecer ecoarão no horizonte
E no meio da maior das tempestades só as árvores se manterão
Como mastros de um barco que enfrenta a mais cruel das ondas
O maior dos vulcões criará o mais belo dos diamantes
A terra rebentará, os penedos cederão
E os rios e as lagoas assomarão com o seu exército de cristal
E apenas eles estarão lá para te matar a sede…

Vem e ouve!
Vem e escuta o som do sangue das montanhas nos regatos que desfazem a terra!
Vem e curva-te diante dos rochedos, os anciães da montanha!
Vem e vibra quando ouvires, ao longe, as trombetas proféticas das avalanches
E treme com o gelo que estala como o ribombar de um trovão!
O meu rosto ostenta as rugas de mil Outonos
Mas a minha alma canta como uma andorinha na Primavera;
A minha pele está queimada com as marcas de mil Invernos
Mas o meu coração arde e inflama-se num Verão eterno!


Mas não chores, meu irmão, não chores mais
Descansa as tuas rugas, a tua alma, a tua pele e o teu coração
Também o céu precisa de chorar para te trazer as flores na Primavera
Deita as tuas lágrimas ao vento, semeia-te e cultiva-te:
Que o teu coração não conheça mais senão flores
Que as tuas mãos não colham mais senão flores
E ensinem os outros a plantar flores
Que a tua boca não profira mais senão palavras perfumadas
Que a chuva seja o teu baptismo de todos os dias
E que o Sol quente no teu rosto seja o último beijo que levas desta vida…

(Quando a minha alma atravessar o rio despojar-me-ei de tudo
Não me importarei de deixar tudo
Mas rogarei a Deus no seu trono de estrelas que tenha piedade de mim
E que me deixe levar comigo como último bem desta vida um pedaço de terra
Um pequeno e simples pedaço de terra
Para levar comigo a recordação dos montes e dos vales perdidos…)

Quando saíres guarda a chave
Fecha as portas da montanha, limpa o rosto e ajoelha-te só contigo
Sente o vento pentear-te os cabelos com ternura
Planta as tuas mágoas para que se transformem em belas árvores viçosas
E aprende a força dos rochedos silenciosos
E, quando a montanha adormecer no nevoeiro cinzento,
Aproxima o teu rosto do seu rosto e, com um suspiro de amor,

Beija a mãe que te embalará na sepultura…


domingo, 13 de agosto de 2017

Despedida

Vem de tarde, meu amor, vem dolente
Vem de tarde e vem dormir junto ao rio
Estende junto à fonte o coração
O teu pálido coração de louça
Vaso sem rosas que lhe deem cor…
Tu vieste meu amor, a boca em sede
Mas não pudeste beber porque dormias
Dormias nas pedras da calçada
Junto ao nome feito em pedra que te dei
Dormias com o coração nas mãos, esperando,
Esperando as rosas rubras que, viçosas,
Tornariam a tua alma em flor!


Vê as águas que passam e lembras-te, amor?
Lembras-te de quando entrei no teu jardim?
Uma flor branca crescia e eu colhi-a
E levei-a comigo como quem leva um pertence
Porque fizeste meu o teu jardim
E agora eras tu quem esperava junto ao meu rio…
  

Mas perdoa, amor
Perdoa porque quando te ofereci as rosas já elas tinham macerado
Perdoa porque quando te levei ao rio já as águas tinham gelado
Perdoa porque quando te quis matar a sede já a fonte tinha secado
E o teu coração estava tão frio que o não pude aquecer nas mãos…

Mas não chores, meu amor, não chores mais
Não chores as rosas secas junto ao peito
Não chores as lágrimas debruçadas junto ao rio
No tempo em que debruçados junto ao rio
Fazíamos dos nossos sonhos barquinhos de papel…
Não chores a sede porque a sede morta não é mais que morte
E, quem sabe, sem a sede nunca teríamos procurado a nossa fonte…
Não chores rios, nem as rosas, nem as fontes
Chora apenas o fadado coração
O silencioso e triste coração
Que sofre por se não poder derramar pelos olhos!

(O vento norte varre as sarças num sussurro
E, no horizonte, um barco levanta voo)

Mas sabes, meu amor
Ainda hoje tenho as rosas à cabeceira
As rosas escuras, maceradas
Que colhi um dia do teu coração…
Ainda canto, a cada suspiro meu, o sibilar rio que passa
Que me mata a sede nas horas da saudade.
Ainda gravo o teu nome junto à fonte
Nas pedras que plantámos na calçada.
Escrevo-o como se fora o meu, letra a letra
Letra a letra murmurado no meu peito
Letra a letra a cada batida lenta do meu coração…

… …
Raiva de não cair no meu peito a tua alma desfolhada!

Vai, amor
Vai no teu barquinho de papel
Sonho-te a foz, o sol poente
O infinito.


… …
Adeus, amor
Encontrar-te-ei um dia
Dormindo sereno no perfume das rosas


quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Memórias



É uma tarde de Inverno
Redundantemente uma tarde de mim
E, abrigado debaixo dos pinheiros nevados,
Descalço, que o frio nunca me incomodou,
As mãos já insensíveis ao calor do corpo
E a alma mais insensível ao do coração
Vou contando flocos de neve
Contando lentos flocos de neve
Que se afogam no mar de gelo…

Ao longe vejo a casa, aquela que em teoria é minha,
Deixou de o ser quando a minha avó partiu
O meu grave pai deve estar junto à lareira
A minha adorada irmã deve estar a chorar
E a minha mãe, consternada, chama-me;
Só eu é que estou debaixo dos pinheiros nevados
A cabeça dormente, o coração quase parado
E desejo cá ficar eternamente…





Mas eu estou em casa! A neve é a minha casa
O Inverno mais o frio que ele traz
A minha mãe adora o Verão e resmunga no Inverno
É dizer, resmunga comigo então também,
Porque eu não sei ser mais senão Inverno;
Calor nenhum do Verão me dará o conforto
Que o ópio que uma noite invernosa me traz
E é nestas alturas que eu me enterro na neve
Que eu me enterro até ao pescoço na neve
Esperando ser uma estátua de gelo
E ser finalmente uma vez mais parecido comigo…









Ouço ao longe, ergo a cabeça
Espreguiço um pouco a mente vazia
A mente cheia de branco e de nada
Branco de neve e nada como eu
E exclamo para mim que é desta que não volto
Que vou ficar aqui no meu reino de gelo
E dele fazer as minhas maravilhas;
A minha pele branca já é quase cinzenta
Cinzenta do frio e cinzenta dos pinheiros
Que sussurram por entre a folhagem…





Não vou!
Já disse que não vou!
Deixai-me ficar por entre os pinheiros cinzentos
E que eu me confunda com o cinzento dos pinheiros
Se às pessoas sou vil e mesquinho
Se lhes fiz conhecer a amargura de carácter (dizem elas)
Se lhes dou mais mal que bem
Deixai-me ficar entre os pinheiros cinzentos
Entre os nobres e graves pinheiros cinzentos
Pois se nunca a uma árvore ou a uma planta fiz o mal
Não se incomodarão se viver entre eles…

Deixai-me gelar!
Deixai-me fundir com a neve branca e ser uma estátua de gelo
Sempre sonhei poder ser uma estátua gelada
E adormecer por entre a neve e os pinheiros
E na chegada do quente Estio
Daria de beber às jovens flores.
Sou o Inverno e ninguém gosta do Inverno
E por isso desejo ser uma estátua de gelo
E sonho o dia em que alguém mais afoito
Pudesse chegar e dizer “este menino tem frio”
E em me abraçando me fizesse derreter e morrer a mais bela das mortes…


Oferecem-me doces…
Ah, os doces! A primeira moeda que conheci!
Que nostalgia, que lonjura por esses doces
Aqueles que me faziam esquecer que me troquei por doces
E que eram a resposta para todas as quezílias;
Manda-se e paga-se com doces
E assim se vão ensinando as gerações…
Mas olha, guarda os teus doces
Que eu preferia mil vezes mais um abraço que derretesse o gelo frio
Que a ainda mais fria política dos doces…

(Esta parte é devaneio, contudo;
Nunca lhes dei tal resposta nem ela o soube
E mesmo sabendo talvez não fizesse diferença nenhuma
Pois o mundo - o nosso - não pode funcionar sem moeda:
Mentir-me-ia se me conquistasse com um abraço e não doces…

… Ah… os doces…
Não foi por tantos doces que tive que me tornei menos amargo
Talvez não seja assim que se adoçam pessoas
Não sou uma peça de culinária…)


 


Mas sabem, ainda hoje me oferecem doces
Talvez não os mesmos, mas de outras maneiras
Ocultos num beijo, numa frase, num sorriso
Que na verdade mais não são que doces
Mentirosos doces e moedas para câmbio
E eu, que para além de caro ainda sou pobre
E não tenho moedas de natureza nenhuma
Por não saber mentir também nada compro
E ando por aí, de mãos nos bolsos, a fazer contas
Quanto vali hoje, de quanto perdi em não me ter vendido
De quanto será o valor no dia em que me vender
E até de quantas vezes me venderei
Que aguentar comigo, sei-o bem, não é tarefa de uma vida
E com isto no meu peito vai nevando
E sentado vou sonhado debaixo dos pinheiros cinzentos…





(Nos meus sonhos há uma grande casa branca
Uma solitária mas feliz casa branca
E, na entrada, de braços estendidos em flor,
Uma figura me convida e sorri
E eu, criança perdida nos pinheiros cinzentos,
Ergo-me e choro flocos de neve
E, por um momento, aceito os doces
Aceito o sorriso, aceito o abraço
E suspiro: até o Inverno gosta de se sentar à lareira de vez em quando
E talvez por isso seja tão frio, para que se lhe acendam várias lareiras…)

No final do seu tempo o Inverno diz:

- Vou morrer. Acordem-me quando chegar a Primavera…


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

O Cemitério


No tempo em que eu era ainda jovem menino
E o homem grande dormia dentro de um corpo pequeno
Com minha avó, gentil senhora,
De braço dado, coração uno,
Subia a longa escadaria de pedra e, contente,
Ia visitar o cemitério…

Visitava-o, digo bem
Visitava-o como se visita um lugar sem ter quem ver
Que a minha avó, doce senhora,
Só lá entrava por meu avô
Por meu grave e não saudoso avô
Pois que não se pode visitar ou suspirar quem não se conhece.

Passava o portão, tudo na mesma
Que a morte não conhece nem tem tempo
E em o tendo não é seguramente o nosso
Todos dormimos para acordar um dia
Isto dizia a minha avó
Mas se a morte tinha o tempo de uma noite
E é de noite que os espíritos visitam as ruas
Não querem ver que andamos enganados
E o Sol não é mais que a Lua dos que morrem!...


No tempo em que eu era ainda um jovem menino
E queria acordar o homem grande que dormia
Sonhava de dia e acordava de noite
Meu pai ralhava, minha mãe suspirava
E minha avó perguntava por que andava ao contrário
- Não ando ao contrário, ando direito
Que há mais mortos que vivos no mundo
E se eles são mais e a maioria sai de noite
Devo seguir a maioria, que é quem deve ter razão…

A minha avó dobra-se: arranja as flores
Arranja as flores que morrem com o dia que passa
Sabem que vão morrer, essas flores
E tal como aqueles a quem se destinam
São enterradas também nas urnas dos cemitérios
Nas urnas frias e pálidas dos cemitérios
Naquela cama branca como um lençol…

(Sempre achei haver destinos melhores para flores mortas
Haver urnas melhores para flores mortas
Que não fossem as campas que não são as suas
Mas são mais felizes que os mortos que nelas dormem
Pois esses não tiveram o Sol que lhes desse o último beijo desta vida
Tão tapados estão pelo mármore dos cemitérios…)


No tempo em que eu era ainda um jovem menino
Cuja inocência secava como secam as flores em cemitérios
Cria haver cemitérios mais simpáticos que outros.
Hoje ainda visito cemitérios
E agora sei que os seus inquilinos são todos iguais:
Pobres figuras paradas, olham-nos por detrás das grades dos sepulcros
E todos usam as mesmas estátuas para lhes dar um rosto que já não têm.
Hoje já não sou um jovem menino
E aceitei ser um homem grande, que é dizer
Ser-se uma urna andante de um morto que respira
A urna andante do menino que eu já fui
E que me aparece em sonhos num busto de cera como o dos cemitérios…

Lembro-me daquelas tardes lentas e brilhantes
Em que, perdido no silêncio de minha avó,
Admirava os magistrais sepulcros que ornavam o cemitério
“Um dia quero viver numa casa assim” pensava eu
Hoje sei que não é necessário uma casa assim nem estar-se morto
E que também em casas de vivos vivem tantas vezes mortos!...

(A vida ensina-nos a morrer, alguém me dissera um dia
Talvez por isso tantos morram antes de morrer
Ensaiando com afinco antes do concerto final
Infelizmente nunca fui bom concertista…)


Tomam-me pela mão: é minha avó que se alevanta
Que se alevanta com a dignidade com que sempre foi a minha avó
A dignidade pálida e séria como uma estátua das que eu via em cemitérios
Eu ergo a cabeça, levanto-me por meu pé
E retorno pelo mesmo caminho de pedra polida
Deixo atrás de mim os bustos, as camas frias
Deixo atrás de mim as máscaras que sorriem por trás das grades
À saída um habitante, mais hospitaleiro,
Estendia-me dois bancos, um de cada lado do sepulcro,
Cobertos de musgo e poeira de vestidos velhos
Hoje aceito esse convite e faço-lhe companhia
Pois como não se há-de sentir sozinho quem tem flores maceradas e descoloridas como único elo com o mundo dos vivos?

Adeus, aceno eu com vibrante alegria!
Adeus, ciprestes anciãos deste jardim de pedra!
Adeus, mulher que choras o filho perdido!
Adeus, casal que dorme sob a terra, mas em camas separadas!
Adeus, anjo que reza quem não conhece!
Adeus, flores! E adeus, homem que varres as flores,
Talvez a mais bela das profissões da terra!
Adeus, Cristo na cruz, que estás vivo, dizem-no todos
Mas também todos te enterram várias vezes nas urnas dos cemitérios!
Adeus!
Adeus!
Até amanhã!...

(Tac-q-tá! Tac-q-tá! Tac-q-tá! Roc roc roc roc roc roc!
As rodas da carruagem iniciam o seu movimento circular
Do cemitério, perdido no horizonte, já nem o silêncio ouço
E na verdade já nem a mim mesmo me ouço…)


Sei que ainda durmo; e a dormir me encontro
Sei que também o menino que fui dorme o seu sono na cama fria do que sou
Sei que eu durmo e ele acorda, também, de noite
E passeia ainda revolto no meu coração
Já é órfão, pobre menino
E hoje sou eu quem o leva pela mão
Quem o leva a ver as urnas dos cemitérios
As urnas pálidas e frias dos cemitérios
E que, estendendo-me a máscara de gesso que lhe cobre o rosto,
Convida – experimenta-a!
E desde então que fielmente a uso…

(Deixai o meu rosto dormir, que as máscaras, essas, não cuidam saber ou querer coisa alguma!...)

Ah!... No tempo em que eu era jovem menino
E em que a minha avó voltava dos cemitérios!...


domingo, 6 de agosto de 2017

Apoteose do Poeta II



Foi pelo anoitecer que um murmúrio se ouviu:
"Numa pedra dura e fria o poeta sonha!"

O poeta nada em estrelas cor de prata
Pelo vácuo escuro dos sonhos
E uma maior, dourada e em chamas
Rasga os céus da cor vermelha viva
Pelo vácuo escuro dos sonhos
Lá, no mar de estrelas cor de prata...




Rasga-se o horizonte; o poeta em calma
Separa o céu e a terra, as nuvens e o mar
Não se ovem rios, grilos a cantar
Só nas profundezas da sua alma.
E o poeta olha um céu de árvores e flores
De areias e tempos, verdes e negros.
E o poeta olha um mar de estrelas e nuvens
Baixa-se e, com as suas mãos, colhe uma flor-estrela
Um pedaço de céu, um pedaço de mar
Um pedaço de fora, um pedaço de si...

Numa estrela que brilha o poeta sentou-se
E, no horizonte branco, emerge uma luz
Tão ou mais clara que a prata
Ou mais quente que o fogo.
O poeta fecha os olhos, a luz é forte
Ventos arrastam-no, o poeta escorrega
E a pobre alma, de nascimento sem sorte
A uma parede de gelo, em vão, se apega
Desce por um buraco sem fundo, o desgraçado
E a luz, cada vez mais longe, quase se some
E a escuridão vencedora aos poucos consome
O seu corpo que ficou, de lutar, cansado
E nesse cair, nesse purgatório, no abismo
Uma voz sobe desse poço sem fundo:
"Tenho-te guardado para meus furores
E neste punir aos Homens ensino
Este meu castigo, que é o destino
Dos que desvendam os segredos do Mundo!..."