terça-feira, 26 de setembro de 2017


XLI

Na alta catedral que em breu se erguia
Nas calhas da Razão cumprindo o fado
Entrei, p'ra me tornar o esposo amado
Da noiva que esperava, escura e fria.

A porta do sepulcro em flor se abria
Dois anjos aguardavam, lado a lado
E em me trazendo o cálix destinado
Ergui-o à minha amada, que dizia:

"Eis enfim, doce amado, p'ra preceito
As pedras que te servem de mortalha
Quando não pode mais o pobre peito!"

Que pode o coração tão contrafeito
Se não tem alma humana amor que valha
A Dor p'ra sua esposa, o breu p'ra leito?

sábado, 23 de setembro de 2017


XL

Quando, finado o Estio das almas tristes
O meu coração seco e macerado
Cair com um suspiro a teu lado
Sabendo nunca mais se nele existes;

Quando nas tardes calmas que persistes
Junto ao rio que corre anunciado
Em desfolhar os sonhos do passado
Sem cuidar por teu o que neles vistes...

Quando o violino triste e dolente
Cantar à madrugada, descontente
E abrir o peito vão ao céu cinzento;

Entende que, dormindo, a terra espera
Abrir-se novamente à Primavera
No seio pobre e só do esquecimento...

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

XXXIX

Flor dos tardos dias, vem dolente
Trazendo nos teus olhos, caro bem
Dois círios, um por ti e outro por quem
Te pedirá que o veles tristemente.

Derrama as tuas pétalas somente
Na lousa que me cobre e me sustém.
É tão mais doce a vida quando além
Se morre e tem quem chore eternamente!...

Vai, deixa-me cantar ao desafio
Deitado em meu sepulcro branco e frio
Como se fora Amor quem dera o mando

E reza, s'rena flor, reza esquecida
Que os teus doces lamentos me são vida
Enquanto morto em mim te vou sonhando...


domingo, 17 de setembro de 2017


XXXVIII

Plantemos farpas d'oiro, meu amigo
No plaino que dos deuses nos foi dado
Que o rei que por Amor é coroado
O coração com farpas traz consigo...

Trazei-me o ceptro vil que por castigo
Me verga o braço por vos ter olhado
E o nosso espelho-dor, despedaçado
Que jaz perdido e só no chão antigo...

(A sombra que te dei, triste e dolente
Debruça-se nos vales e nos montes
E fontes das quais bebo eternamente...)

Mas só a  lira chora por meus males!
Ó peito, não te inflames lentamente!
Ó alma, não te vás assim que estales!

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

XXXVII

Não cuides, flor-bonina, que é vil sorte
O cravo que te escreve, em sangue, à pena
Cor do Estio, cor do Sol em tarde amena
Cor do cor que em versos se torna forte...

Não julgues que é d'amor ou doutra morte
Que tanjo este cantar d'alma serena
No quadro em que escrevendo a torno plena
Achada a fonte-luz, perdido o norte...

Não creias, bonina-sol, que é vivendo
Que a rosa em seu perfume se insinua
Quando tal só discorre, em vão, morrendo;

E é por estes meus credos tão dispersos
Que em te vendo singela cor de lua
Te vou desfolhando clara em meus versos!...


segunda-feira, 11 de setembro de 2017

XXXVI

Que qu'reis, senhora minha, que cuidados
'Sperais dum coração impaciente?
Que qu'reis de quem, vivendo descontente
Gravou no peito vão mares irados?

Que qu'reis de quem cultiva tais estados
De em templos de tristeza ser contente?
Que qu'reis p'ra amar assim tão docemente
Quem 'scolhe a dor fremente p'ra seus fados?

Sois vós, gentil senhora, que em amando
Aquele que usa a pena como espada
P'ra derrotar seus males e seus medos

Vai um mesquinho ser santificando
Dando à cruz a sua alma abençoada
A troco do cru amor e seus segredos...

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

XXXV

Na ilha que fiz tua anunciada
Teu templo caiu com ventos, gemidos
Caem colunas, mármores partidos
E a estátua que eras ficou destroçada.

Dos cantos que fiz já não resta nada
Só fica a memória dos tempos idos
E vendo os teus altares destruídos
Eu me of'reço à tempestade irada.

Mas, contra o que esperei p'ra meu proveito
Vejo partir os feros vendavais
E logo chamo, com vero despeito:

"Ó trovões, ventos, que vos afastais
Não vedes que 'inda tenho no meu peito
O rosto daquela que me levais?"


segunda-feira, 4 de setembro de 2017

XXXIV

Sentindo dos deuses o chamamento
À pena me votei eternamente
Poeta do Amor me fiz somente
E dos versos que fiz lancei tormento.

Fiz da amatória humana meu sustento
E nela eu imprimi a dor fremente
Mas hoje os corações, aridamente,
Imploram que lhes diga meu intento.

"Traidor d'humana gente, cru e fero
Por que nos conduziste ao mau Cupido
Trazendo às almas pobres desespero?"

E se eu, a tal ferir, sou comprazido
É porque, digo bem sem exagero
Mais vale Amor servir que ser servido.