terça-feira, 17 de outubro de 2017

Fado-Barcarola


Lá nas rochas por salgar
Das ilhas que o céu nao esquece
Meu amor de sal e mar
Canta às ondas e adormece...

Canta perdido o veleiro
Suspenso na maré alta:
Pela vida é marinheiro
Pelo amor a mó que falta.

Tem na fronte a triste estrela
Dos que esperam sem razão
A amargura dos que em tê-la
Vão no cais da Solidão

E vão cedo num batel
E vão cedo na água escassa
E a rede é o algoz cruel
E o luar a nau que passa...


Vejo soltar as amarras
Que te enviam só à proa
A deixar dolente as barras
Pelo vaga que atraiçoa.

Quando o sonho não mais salva
À noitinha, junto ao cais
Rezo muda à estrela d'alva
Que me envie os teus sinais.

Tenho no peito um xailinho
Feito da espuma do mar
Que choro quando, sozinho,
Vais c'o alvor pronto a zarpar.

E vais com a maré cheia
E vais com a branca lua
E o leme é a tua correia
E o mastro uma espada nua...

Amor, minh'alma é gaivota
Pequena cor de carvão;
De luto pela velha frota
Que trago no coração;


Amor! que trazes ao leme
As noites que, de fugida,
Lembram para quem não teme,
Dos males do céu, esta vida
Vem co'as ondas, vem depressa
Vem que a tempestade, essa,
A que no horizonte treme
Tem mais mares por buscar...
E nas rochas, junto ao mar,
Que em ondas tristes cantando
Versos tristes vai espalhando
Ao céu que os há-de sagrar
Meu coração ancorado
Tendo a dor por branca vela
Espera ainda a caravela
Que, o não sendo, foi só fado.


domingo, 15 de outubro de 2017

Abril

No plaino que a sul norteia
Na madrugada que raia
Plantei um grão de areia
Nasceram dunas na praia.

No plaino que a aurora singra
Do cantar de uma cigarra
Plantei nele uma lágrima
Nasceu-lhe a voz na guitarra.

No plaino de rosto altaneiro
Vontade mais alta ecoa
Plantei no fado um veleiro
Nasceu-lhe o mundo na proa.

Nasceu-lhe o mundo na proa
Nasceu-lhe a brisa que exala
Azul é o céu que abençoa
E verde o mar que assinala.

É verde o mar que assinala
Rubro o coração desfeito
Plantaram nele uma bala
Nasceu-lhe um cravo no peito.


sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Cançoneta

São verdes os rios que levam
Saudades do meu amor
E nos barcos que se entregam
Aos amantes que navegam
Sem saber rei ou senhor,

O meu amor parte, parte
Parte sempre a navegar
Foi p’rá liça guerrear
Foi servir com sua arte
Lá nas terras d’além mar
Leva os sonhos por ‘standarte
- Quem sabe se há-de voltar?

São azuis os céus que guardam
Os olhos do meu caro bem
E nas ondas que sossegam
Os corações que lhe entregam
Dos que ficam sem ninguém,

O meu amor canta, canta,
Canta sempre a navegar
Os sinos que ouviu tocar
Lá na terra que lhe encanta
Das montanhas por sagrar
Onde o sol se alevanta
- Quem sabe se há-de chegar?

(São negros os montes que velam
As almas apaixonadas
São altos espinhos que zelam
E no coração revelam
Leves penas, vis espadas)

São verdes os rios que levam
Saudades de quem me levou
Nas amarras que se entregam
Daqueles que então navegam
E não sabendo por onde vou

O meu amor sonha, sonha
Sonha em mim no alto mar
Traz nas mãos ao abandono
O meu coração sem dono
E a testa por singrar
E levando por ‘standarte
Aquela que deu por trono
O engenho, zelo e arte
A quem a não soube ver
Quem sabe se há-de voltar,
Quem sabe se há-de sofrer,
Quem sabe se há-de morrer,
Quem sabe se há-de acordar?


quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A que vens, tardio Amor

A que vens, tardio Amor
Quando a Lua te enobrece?
Vens cumprir teu vil labor
De matar quem te não esquece?
Se por ti morri absorto
Por que vens matar um morto?

Mas se a minha morte vã
Não chegar p«ra teus amores
Vem no ventre da manhã
Vem cobrar meus ais em dores
Que, ai de mim! a vida tiro
Se te roubar um suspiro.



Traz então o cru punhal
Que carregas no olhar teu
Abre o peito que, afinal,
Nunca foi não mais que teu
E grava nele, corte a corte,
O teu nome, que me é morte.


segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A Magnólia

Uma avezinha cantante
Rasgando os céus, certo dia,
Perdeu-se de amor, errante,
P’la flor que um ‘spelho reflectia…

Dormia num piano velho
A magnólia adormecida
Mas só no reflexo do espelho
A ave via a flor ‘scondida…

Certa noite, num lamento,
A voz já desesperada,
Roubou o ‘spelho cinzento
E esp’rando ver a flor amada

Viu o seu rosto… e a flor
De tule e sombra rosada
Em gotas de orvalho e amor
Brotando dos olhos

                                                                                                       - mais nada…

sábado, 7 de outubro de 2017

A Estátua



Foi ontem que a vi da janela
Só, no meio do jardim
Rodeada p’lo belo jasmim
E ornada p’la rosa bela
Mas qual uma triste ilusão
De rocha cinzenta era ela
Com flores de pedra na mão
            - Tu não.






No meio do jardim florido
Olho-lhe a fronte parada
E penso-lhe a fortuna errada
De ver tal encanto perdido
Em dama de pedra tornada;
E tem olhos fixos em vão
No céu do qual não verá nada
            - Tu não.




Nem um sorriso me devolve
Quando eu a olho de frente
A falta de alma permanente
No seu olhar duro se envolve
Tem semblante descontente
Não conhece dor e emoção
E a pele cinza nada sente
            - Tu não.





Aceno-lhe e rio, mas nada
Ao menos a ti posso rir:
Podes devolver um sorrir
Entre a tua boca rosada
E se tem boca é em vão
Pois tem-na p’ra sempre fechada
P’ra que é mulher, pois então?
            - Tu não.



Ai, pobre estátua cinzenta
Não se sabe pedra ou mulher
E tu, carne e osso, é mister
Que sejas quem amor ostenta
Mas eis-me aqui sempre em tormenta
Sem que tu me olhes sequer
P’lo que, ouve, aprende a lição
Que a mulher de pedra apresenta:
Apesar de pedra cinzenta
No peito tem um coração

            - Tu não.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O Bom Pastor

XLIV

Levanta-se c'o voar das andorinhas
De luto pelos céus amargurado
E vai de vale em vale e verde prado
Trazendo no seu peito as ovelhinhas...

Murmura às brancas fontes que, sozinhas,
Correndo pelo monte abençoado
Aquele que 'scolheu para seu fado
O de fazer de si o pão, as vinhas...

E a tarde vai passando e o bom pastor
'Screvendo no cajado o vale em flor
Abraça o verde monte que anoitece;

E o anho que a seus pés lança um balido
Suspira à branca Lua e, embevecido,
Entrega-se ao seu amo e adormece...


terça-feira, 3 de outubro de 2017

A Bela Moleira

XLIII

Ias, donairosa, ao romper do dia
As aves nos teus olhos de andorinha
Leves, leves, da aurora que avizinha
Pretos, pretos, das penas que trazia...

Trazias no regaço a canção fria
E ululante voz da ribeirinha
E do vergel colheste, rosadinha
A boca de maçã que lá crescia...

E bela moleirinha, que em verdade
Quiseste que eu encontrasse a liberdade
Fazendo do teu seio o meu caixão;

Enterra-me em amor no pó antigo
Mas deixa no teu peito a mó, o trigo
Rodando eternamente o coração!...

domingo, 1 de outubro de 2017

XLII

Pedira a vã donzela certo dia
Ao velho cavaleiro seu amado
"Trouxeras-me o bem rico mais cuidado
E minha mão d'alvura eu te daria!..."

'Squecendo todo o dano que faria
Ao seu peito de guerras destroçado
O cavaleiro arranca com um brado
O coração d'ouro co'a espada fria...

Mas vendo a fulva jóia desbotada
A jovem, atirando a pedra ao nada,
Disse "Quebrada está! Que serventia?"

A jóia se esvaiu em lume brando
Rompeu-se em sete sóis e, suspirando
'Spraiou-se com a luz do novo dia!...