domingo, 26 de novembro de 2017

Nocturno I

No céu uma estrela
Na terra uma pena
Extasia-se em vê-la
Tão clara e serena!...

Não sabe que brilha
A estrela tão bela
E a pena singela
Tão leve, tão santa
Sem asas se humilha
E terna se envela 
No vento que canta.


Assim bate ao leme
O cor contrafeito:
A pena que treme
E a estrela no peito.


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Et Ressurrexit

Ou da Páscoa

A mulher-pássaro abriu os braços
Deixou no sepulcro a laje tombada
Largou o sudário, vestiu madrugada
E abriu no peito o Sol em flor
E lançando ao mar os olhos baços
Salgados nas ondas de breu e dor
Nos céus desfolhou-se em mil beijos
Beijos para as pedras
Para o coração
Beijos para as trevas
Para as penas no chão..



segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Flor

No centro do chão
Na estrela de pedra

No frio coração
No vidro que medra

Na loiça perdida
Num selo de dor

Na rocha esquecida
Na luz sem fulgor

A beleza é pisada, macerada
Na rubra corola de uma flor




sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Sem Título III

a morte suspirou pelas escadas
largou o vidro leve, a casa branca
e alongou-se nas dunas da praia
'sperando vir o mar do horizonte
e unir-se à madrugada que raia



terça-feira, 14 de novembro de 2017

Flor de Sal

Na trova nos céus velada
Em ondas que a voz enlaça
Vi minha pátria ancorada
Nas calhas da noite que passa.

Vi minha pátria perdida
Nas brumas da manhã fria
Erguendo na sombra aguerrida
Os mastros da nau que se abria.

Numa tarde em voz dourada
A rebate em tristes floras
Vi minha pátria finada
No tardo sino das horas.

Vi minha pátria florir
Nas mãos da Rainha Santa
Tendo por seu o porvir
Cego que o mastro alevanta.

Minha pátria, a que aventuro
Tristes trovas que lhe dou
Chora, por um velo escuro,
O olho que o mar lhe levou.

Levou por o ter chorado
Na canção ao desatino.
Vi meu país afogado.
Pelo troco de ouro fino.

Mais eu vi no veio claro
D’água sua que bebeu
Duas ‘spadas sem amparo
Junto ao braço que as perdeu.

E mais vira se não fora
(Escudo meu que não terei!)
A armadura sonhadora
Em que meus olhos fechei.

Na trova no céu velada
Ondas que já não se enlaça
A minha pátria ancorada
Já não parte, já não passa.
Já não ‘screve em versos seus
As sereias na água escassa
Nem as vozes que em adeus
Bem contra preceitos seus
Viram partir em desgraça.
Mas dos vales vis e fundos
Que, nas trevas, a compasso,
Luzem no oceano baço
Velhas eras, novos mundos,
Surge a flor plantada à proa
Daqueles que ainda a esperam…
E nas sombras que revelam
A alta voz que doce ecoa
Em que o sonho sobrevoa
O mar na palma da mão
Vai vagando em si cativa
Relembrando em voz missiva
Aos que esperam sem razão:
Não se perderá quem viva
Com o sal no coração!...


sábado, 11 de novembro de 2017

Rosa dos Ventos

Ou Lisboa

Sentada num rochedo feito de ar
Tendo por leito seu a branca espuma
Vai desenhando sonhos, céu e bruma
Na testa coroada por salgar
E na imensidão ao levantar
Aos olhos do Oceano a branca fronte
‘Stende os dedos de coral no horizonte
E é tanta a desventura no colar
De lágrimas mil que foi colhendo
Que não sabe se é rainha ou infante
Nem se será sua, vendo em diante,
As ondas turbulentas revolvendo,
Nascida duma rosa, vento e mar
A esfera que em seus sonhos vai tecendo…



quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Ferreiros

Ó terra da minha lonjura
Dos cantos de trevos calados
Semeias voz de ternura
Ribeiros amargurados

Ó terra do sol que se espraia
Nas eiras da tarde calma
Ó terra de flor como saia
E lenço negro na alma

Ó terra de lume bravio
Que sonho com olhar langue
Trago nas veias o rio
Que o peito tornou em sangue

Ó terra de seiva que medra
Na voz de quem por ti passa
Ó terra de sombra de pedra
Que o choro dos homens amassa
  
Ó terra de manhã fria
Lágrimas em flor aos molhos
Levantas-te co'a cotovia
Caem-te as penas dos olhos

Ó terra de serras viçosas
Dos altos rochedos pardos
Ó terra dum país de rosas
Sem ver beleza nos cardos

Ó terra da pátria querida
Que esculpo no coração
Pastor de face aguerrida
De enxada e lança na mão

Ó terra que vou murmurando
Lembrança de gente esquecida
Ó terra, em ti me encontrando
Mais eu te julgo perdida.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Ocidente

Nas terras a Ocidente
Lá onde o Sol queima o mar
Lá longe onde o vento quente
Com sussurros docemente
De promessas rasga o ar
Em cada peito fremente

Vive aquela de olhar denso
Vive aquela sarracena
De cabelo negro extenso
De alma que arde em fogo imenso
Na macia tez morena
Que exala um doce incenso;

Vive em terras guardadas
Vive nas serras do Sul
Onde há mouras encantadas
Perdidas, abandonadas
Onde o céu cobre de azul
Esperanças infundadas

E em terras a Ocidente
No castelo da mourama
No seu peito tão-somente
Tem em pedra permanente
Aquele que tanto a ama
E que espera tristemente.

E que espera sem cessar
Noite e dia, sorte ingrata
Por que a venha resgatar
Lá, da terra à beira-mar
Com a lua cor de prata
Na espada que empunhar

Mas há outros cavaleiros
Filhos do frio e do gelo
Que com modos derradeiros
Querem ser os tais primeiros
A cumprir o seu anelo
De à jovem ser herdeiros;


De querer executar
Os que não amam seu deus
De quererem conquistar
Aquela terra invulgar
Que não tem preceitos seus
Nem os parece aceitar

E temendo pela vida
A princesa sarracena
Levantando a voz perdida
Pede “Alá me dê guarida”
Por entre a noite amena
Sem a lua apercebida…

Numa noite mais escura
De nuvens que beijam a Lua
De cantares com agrura
De vã brisa sem doçura
Eis que a sombra se insinua
Lá, perdida, na lonjura;

Traz esporas, traz soldados
Traz cavalos, traz espadas
Traz os sonhos amarrados
Traz homens crucificados
Por exclamações erradas
Que fizeram seus pecados…

Chovem vozes na mourama
Corações sobressaltados
Uma voz, perdida, clama
Que em trevas, morte e drama
Na distância são chegados
Os da sua cruel fama

E a jovem sarracena
Erguendo a morena fronte
Sabe ter certeza plena
Que são mais que uma centena
Os que rasgam o horizonte
Em distância já pequena…

Veste a capa de veludo
Monta o seu cavalo pardo
No peito o coração mudo
Num tormento mais agudo
Sabe ser só seu o fardo
De dos outros ser o escudo


E temendo pela vida
- Não a sua, não lhe é cara –
De cada alma e voz esquecida
Na mourama já perdida
O seu cavalo dispara
E só ela é perseguida.

E só ela é procurada
Pelos homens vis do norte
Só ela é ambicionada
Pelos outros na caçada
Da conquista e da morte
Que conduzem arrastada;

Sabe que em ter partido
A mourama pouparão:
É só ela o prémio querido
A razão do alarido
Quem tem na imensidão
As montanhas invadido…
O cavalo vai depressa
Passa montes, passa vales
Passa rios em grande pressa
E no peito a vã promessa
Do salvamento dos deuses
Faz crer a moura princesa

E no cais, a Ocidente
Vendo as hordas violentas
A sarracena consente:
Está perdida certamente
E esquecendo as tais tormentas
Por seu pé, placidamente
Vai de encontro às ondas lentas…

Num suspiro de pesar
Deita os olhos no horizonte
‘Inda espera, por amar,
Aquele que a vá buscar
E cingir a sua fronte
Com as terras por explorar
E das ondas fazer ponte;

Mas os cavaleiros negros
Que se afirmam com o vento
Chegam rápidos, são ledos
E assomada por seus medos
A jovem, de olhar atento,
Afirmou-se nos rochedos
Em profundo desalento…


E chama
E clama
Mas ele não vem
E espreita
E suspeita
Mas não vem ninguém
Ao longe, na liça
Fervendo cobiça
Só correm
Revolvem
Desbravam a terra
Os filhos do homem
Que o orgulho encerra
Ao longe um brandir
Ao perto um carpido
De quem ao fugir
Em mal sê perdido
E reza
Sim, ainda reza
Na noite acesa
Que Alá
Lá do mar
Cumpra a promessa
Do seu amor
Poder ir buscar
Mas tu não vês?
Nem tu nem ninguém?
Que aquele que amas
Não te pode ouvir
Nem para ti vem?
Ao longe
A acudir
Homens são chegados
Nas suas mãos trazem
Espadas vibrantes
Escudos brilhantes
E olhos que jazem
Guerras retumbantes
Que viram
Feriram
Sem dó ou pudor
Os povos errantes
Sem ouvir o clamor
Das mulheres suplicantes
Dos pobres infantes
Que às mãos bandidas
Davam, tolerantes,
As almas, as vidas
E vendo-se
No fim
Fechada, perdida
Perdendo-se
Enfim
P’la sorte caída
Falou simplesmente
Palavras disformes
Rezares, cantigas
E p’ra espanto mor
Dos que, desconformes,
Assomavam ao cais
Magias antigas
Se fizeram reais

Dos olhos
Da boca
Já nada restava
Do peito
Refeito
Nem coração estava
E a jovem sarracena
De bela tez morena
Então se tornava
Naquela noite amena
Em moura encantada:

A pele, morena e macia
Até já não restar nada
Em areia se desfazia;
A alma, matéria tornada,
Em rochas negras se erguia
Olhando o cabo do mundo
E os seus cabelos escuros
De uma beleza singular
Negros, densos como a bruma
Esses se fizeram espuma
Com as suas ondas do mar…


Passam dias, passam anos
Passam eras, tudo muda
Conheceram-se outros danos
Percorreram-se oceanos
Com a mor, férrea ajuda
Dos valentes lusitanos

Mudou-se o que é permanente
Tudo mudou na constância
Cavaleiros certamente
Não são como antigamente
Aqueles que têm a ânsia
Da conquista tão-somente;




Nem as mouras encantadas
Dos dizeres são já cridas
São histórias imaginadas
No passado abandonadas
Em fábulas que não são lidas
Nem mais são procuradas

Umas, conta o velho vento,
Choram a sua triste sorte
Em profundo desalento
Outras, é seu sentimento,
Não desejam mais que a morte
Que as liberte do tormento.
E nas terras a Ocidente
Lá onde o Sol queima o mar
Lá longe onde o vento quente
Com sussurros docemente
Tem histórias que contar
A princesa, eternamente,
Jóia da terra e do mar
Estende os braços docemente
Em ondas de maré quente
Por quem a venha buscar
Ainda, da África quente;
Vai dormindo, vai sonhando
Vai, enfim, ‘inda esperando
Pelo sarraceno amado
Que não se sabe vir quando
E em rochedos negros, densos,
Em areia transformada
Em pinhais verdes, extensos
No Sul da terra encantada
Pelos cabelos embalada
Que como ondas a servem
Uns de cristã a proclamam
Outros por moura a devem;
Uns Ocidente a descrevem
Outros de Algarve lhe chamam…