sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Ocidente

Nas terras a Ocidente
Lá onde o Sol queima o mar
Lá longe onde o vento quente
Com sussurros docemente
De promessas rasga o ar
Em cada peito fremente

Vive aquela de olhar denso
Vive aquela sarracena
De cabelo negro extenso
De alma que arde em fogo imenso
Na macia tez morena
Que exala um doce incenso;

Vive em terras guardadas
Vive nas serras do Sul
Onde há mouras encantadas
Perdidas, abandonadas
Onde o céu cobre de azul
Esperanças infundadas

E em terras a Ocidente
No castelo da mourama
No seu peito tão-somente
Tem em pedra permanente
Aquele que tanto a ama
E que espera tristemente.

E que espera sem cessar
Noite e dia, sorte ingrata
Por que a venha resgatar
Lá, da terra à beira-mar
Com a lua cor de prata
Na espada que empunhar

Mas há outros cavaleiros
Filhos do frio e do gelo
Que com modos derradeiros
Querem ser os tais primeiros
A cumprir o seu anelo
De à jovem ser herdeiros;


De querer executar
Os que não amam seu deus
De quererem conquistar
Aquela terra invulgar
Que não tem preceitos seus
Nem os parece aceitar

E temendo pela vida
A princesa sarracena
Levantando a voz perdida
Pede “Alá me dê guarida”
Por entre a noite amena
Sem a lua apercebida…

Numa noite mais escura
De nuvens que beijam a Lua
De cantares com agrura
De vã brisa sem doçura
Eis que a sombra se insinua
Lá, perdida, na lonjura;

Traz esporas, traz soldados
Traz cavalos, traz espadas
Traz os sonhos amarrados
Traz homens crucificados
Por exclamações erradas
Que fizeram seus pecados…

Chovem vozes na mourama
Corações sobressaltados
Uma voz, perdida, clama
Que em trevas, morte e drama
Na distância são chegados
Os da sua cruel fama

E a jovem sarracena
Erguendo a morena fronte
Sabe ter certeza plena
Que são mais que uma centena
Os que rasgam o horizonte
Em distância já pequena…

Veste a capa de veludo
Monta o seu cavalo pardo
No peito o coração mudo
Num tormento mais agudo
Sabe ser só seu o fardo
De dos outros ser o escudo


E temendo pela vida
- Não a sua, não lhe é cara –
De cada alma e voz esquecida
Na mourama já perdida
O seu cavalo dispara
E só ela é perseguida.

E só ela é procurada
Pelos homens vis do norte
Só ela é ambicionada
Pelos outros na caçada
Da conquista e da morte
Que conduzem arrastada;

Sabe que em ter partido
A mourama pouparão:
É só ela o prémio querido
A razão do alarido
Quem tem na imensidão
As montanhas invadido…
O cavalo vai depressa
Passa montes, passa vales
Passa rios em grande pressa
E no peito a vã promessa
Do salvamento dos deuses
Faz crer a moura princesa

E no cais, a Ocidente
Vendo as hordas violentas
A sarracena consente:
Está perdida certamente
E esquecendo as tais tormentas
Por seu pé, placidamente
Vai de encontro às ondas lentas…

Num suspiro de pesar
Deita os olhos no horizonte
‘Inda espera, por amar,
Aquele que a vá buscar
E cingir a sua fronte
Com as terras por explorar
E das ondas fazer ponte;

Mas os cavaleiros negros
Que se afirmam com o vento
Chegam rápidos, são ledos
E assomada por seus medos
A jovem, de olhar atento,
Afirmou-se nos rochedos
Em profundo desalento…


E chama
E clama
Mas ele não vem
E espreita
E suspeita
Mas não vem ninguém
Ao longe, na liça
Fervendo cobiça
Só correm
Revolvem
Desbravam a terra
Os filhos do homem
Que o orgulho encerra
Ao longe um brandir
Ao perto um carpido
De quem ao fugir
Em mal sê perdido
E reza
Sim, ainda reza
Na noite acesa
Que Alá
Lá do mar
Cumpra a promessa
Do seu amor
Poder ir buscar
Mas tu não vês?
Nem tu nem ninguém?
Que aquele que amas
Não te pode ouvir
Nem para ti vem?
Ao longe
A acudir
Homens são chegados
Nas suas mãos trazem
Espadas vibrantes
Escudos brilhantes
E olhos que jazem
Guerras retumbantes
Que viram
Feriram
Sem dó ou pudor
Os povos errantes
Sem ouvir o clamor
Das mulheres suplicantes
Dos pobres infantes
Que às mãos bandidas
Davam, tolerantes,
As almas, as vidas
E vendo-se
No fim
Fechada, perdida
Perdendo-se
Enfim
P’la sorte caída
Falou simplesmente
Palavras disformes
Rezares, cantigas
E p’ra espanto mor
Dos que, desconformes,
Assomavam ao cais
Magias antigas
Se fizeram reais

Dos olhos
Da boca
Já nada restava
Do peito
Refeito
Nem coração estava
E a jovem sarracena
De bela tez morena
Então se tornava
Naquela noite amena
Em moura encantada:

A pele, morena e macia
Até já não restar nada
Em areia se desfazia;
A alma, matéria tornada,
Em rochas negras se erguia
Olhando o cabo do mundo
E os seus cabelos escuros
De uma beleza singular
Negros, densos como a bruma
Esses se fizeram espuma
Com as suas ondas do mar…


Passam dias, passam anos
Passam eras, tudo muda
Conheceram-se outros danos
Percorreram-se oceanos
Com a mor, férrea ajuda
Dos valentes lusitanos

Mudou-se o que é permanente
Tudo mudou na constância
Cavaleiros certamente
Não são como antigamente
Aqueles que têm a ânsia
Da conquista tão-somente;




Nem as mouras encantadas
Dos dizeres são já cridas
São histórias imaginadas
No passado abandonadas
Em fábulas que não são lidas
Nem mais são procuradas

Umas, conta o velho vento,
Choram a sua triste sorte
Em profundo desalento
Outras, é seu sentimento,
Não desejam mais que a morte
Que as liberte do tormento.
E nas terras a Ocidente
Lá onde o Sol queima o mar
Lá longe onde o vento quente
Com sussurros docemente
Tem histórias que contar
A princesa, eternamente,
Jóia da terra e do mar
Estende os braços docemente
Em ondas de maré quente
Por quem a venha buscar
Ainda, da África quente;
Vai dormindo, vai sonhando
Vai, enfim, ‘inda esperando
Pelo sarraceno amado
Que não se sabe vir quando
E em rochedos negros, densos,
Em areia transformada
Em pinhais verdes, extensos
No Sul da terra encantada
Pelos cabelos embalada
Que como ondas a servem
Uns de cristã a proclamam
Outros por moura a devem;
Uns Ocidente a descrevem
Outros de Algarve lhe chamam…


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