domingo, 9 de abril de 2017

O Cavaleiro sem Cabeça

Quando a noite já começa
E é chegada a neve fria
Uma sombra vai depressa
E contam que sombra essa
É da sombra que corria
Do cavaleiro sem cabeça.

Tem por elmo o gelo frio
Onde cabeça devia estar
É de um traço branco e esguio
O seu cavalo sombrio
E a espada feita de luar
É brandida ao desafio.




Teodora nada conta
Teodora nada espera
Teodora, moça tonta
Teodora, que afronta
Creres que o cavaleiro era
A sombra que o Sol desponta!

Tua mãe, teu bem primeiro
Tua mãe, a sós contigo
Contou-te do cavaleiro
De semblante derradeiro
Contou-te um conto antigo
E tu crê-lo verdadeiro!

E tu crê-lo ser verdade
E tu crê-lo vir um dia
Viver a realidade
Não é tua faculdade
Só vives a fantasia
Tão fora de tua idade...



Teodora, tu és sonho
És história em papel branco
E tempos há que eu suponho
Ao olhar teu véu risonho
E notar o teu ar franco
Algo ao qual eu só me oponho...

Oponho por ser do mundo
Oponho por ser real
Por ser algo infecundo
Enganoso, oriundo
De tua mente irreal
Sem que nela ache fundo...

Menina, que és criança
Menina, pequena em alma
Tua vida é a esperança
Pela bem-aventurança
Que bebeste um dia em calma
Sem cuidar do que se alcança...



Teodora sobe escadas
Da sua mansão fria
Enquanto sonha com fadas
E coisas imaginadas
Que sua mãe não queria
Que fossem tão sonhadas...

Abre a porta; o quarto frio
(De lençóis esvoaantes
Como as águas de um rio)
Tem algo mais de bravio
Do que já tivera antes
Depois de anos de vazio...

Abre a janela Teodora
E contempla a noite escura
Olha a Lua que adora
Lua que incessante chora
Sete estrelas de amargura
De receio pela aurora...



A noite passa sem ruído
Corujas voam e piam
Na cadeira, um vestido
De um branco dolorido
Daqueles que se faziam
Num tempo que é já perdido...

Um relincho a céu aberto
Acorda a Teodora
Que tem sempre sono incerto
Por seu espírito desperto
E ouve um som de espora
Vindo dos céus encoberto...

Pedras rolam; com a mão
Grande e coberta de metal
Trepa alguém com brusquidão
Teodora vê que, então
O cavaleiro, afinal,
Não vem de imaginação...


É tenaz, esta menina
Não tem medo, é teimosa
E toca a espada fina
Do cavaleiro que a fascina
E sua cabeça faltosa
Ela cria e imagina.

Sente-lo no teu fraco peito?
Teu coração a bater?
É amor ao sonho feito
É por um sentir perfeito
Pelo cavaleiro ver
Subir ao teu parapeito...



Subiu e provou verdade
Subiu e sempre é real
Teodora, tenra idade
Sobe à garupa jade
Do cavaleiro espectral
Por sua felicidade...

O cavalo já não corre
Abre as asas, ganha voo
E afasta-se da torre,
Do quarto onde se morre
Sem hipótese de revoo
Todo sonho que discorre...

E voa
Enevoa
A própria verdade
E cede
Concede
Toda a liberdade
São medos
São ledos
Que ocultam a Lua
São aves
São chaves
Da noite que é sua
Que abrem
Que fazem
Sentir transparente
O vento
O alento
De sentir-se gente
De sonhos
Mais sonhos
De monstros medonhos
De espadas cortantes
De voos rasantes
Ah, não ser como dantes!
Engolir o mundo
Saudoso
Profundo
Num poço do peito
Perdido
Desfeito
Em sonhos que voam
Povoam
A alma inquieta
E sobem
E sobem
E crescem
Florescem
E abrem
E abrem
E forçam
E abraçam
Todo o infinito
Que é tão mais perto
E rápido
Tão certo
E, no céu aberto
Suspiro enfim
Sou livre! Por fim!
Na alma que passa, que passa, que passa, que passa...

Tomba um corpo em fraco estado
Teodora adormecera
E o cavaleiro decepado
Ordena ao cavalo alado
Que volte p'ra onde viera
A volta tinha acabado.

A noite já ia finda
E o cavaleiro, com cuidado
Passa a mão na fronte linda
De Teodora; a menina
De rosto feliz e cansado
Já deitada dorme ainda...

Dorme, dorme, Teodora
Amanhã será um sonho
Esquece a espada, a espora
E o que a razão ignora
E lembra o céu medonho
Como quem nunca lá fora...


Uma sombra rasga o ar
Fecha rápida a janela
Encerrando a donzela
Em seu leito, a sonhar
Com a verdade que é dela
Ser sonho ou realidade
É pergunta, desatino
É tesouro fraco, fino
Pois que toda a verdade
É senhora do destino
E, quando a noite já começa
E é chegada a neve fria
A sombra ainda rasga o ar
Rasga o ar e vai depressa
Em seu cavalo sombrio
Por névoa, gelo frio
E se algures a branca Lua
Destacar, já findo o dia
Uma espada longa e fria
Saibam pois que sombra essa
Que os nossos sonhos leva
É a sombra que regressa
Submersa em noite e treva
Do cavaleiro sem cabeça.


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