quinta-feira, 13 de abril de 2017

O Pequeno Vlad

Vladimir era pequeno e sisudo
Vladimir tinha sete anos de idade
Vladimir não era nome de miúdo
Pelo que então lhe chamavam Vlad.

Vladimir tinha dois pais extremosos
Que o amavam com amor profundo
Vladimir tinha bonecos mimosos
Mas não sorria com nada do mundo.

Vladimir, Vlad, como lhe chamavam
Tinha em mente montanhas de ideias
Só não tinha alma como todos teimavam
E só sorria com as coisas feias.

Escaldar o gato era o seu prazer
Estragar colmeias era o seu delírio
Lhe aprazia tudo o que era sofrer
E aos bonecos prestava martírio.

Em dias de chuva, de neve ou geada
Vlad não podia estragar as colmeias
Tinha que ficar em porta fechada
E deitava em bonecos as suas ideias.

Entrava em silêncio; seus passos mudos
Eram as sombras do quarto que tinha
Enquanto bonecos, de corpos desnudos
Esperavam apenas aquilo que vinha.

Peluches, bonecas, todos eram iguais
Quando chegava a hora da tortura
Lágrimas caem de formas animais
E a pele das bonecas perdia a alvura.

Vlad odiava-os a todos um por um
Todos felizes assim que os viu
E tirou-lhes o riso reduzido a nenhum:
Não podiam rir se ele mesmo não riu.

Num dia mais negro e escuro que o breu
Vlad subiu vivamente as escadas
A porta gritou, o chão estremeceu
E as coisas olharam mortas, assustadas.

Vlad aproxima-se; um urso de peluche
Foi agarrado por uma mão forte
Bonecas, palhaços e até um fantoche
Foram levados para a mesa da morte.

Papéis e o resto são deitados ao chão
E as vítimas medrosas foram estendidas
Pegou numa faca, ergueu-a com a mão
E tirou-lhes braços, as pernas, as vidas.

Salta uma perna, rola uma cabeça
Bonecas perdem seus lindos cabelos
Não há brinquedo que ali não pereça
E, no final, brinquedos... nem vê-los...!


Vlad cessou, estendeu o projecto
Arranca um braço a um urso desfeito
Olha o braço, o urso, depois o tecto
Pretende criar o brinquedo perfeito.

Vlad pousa a faca, pega agulha e linha
E por entre desordem escolhe bocados
Partes diferentes que cada um tinha
São pela agulha toscamente ligados.



Já não é Vlad, é alma vil e seca
Já não é boneco, é monstro que sai
E de um dos olhos cosidos de boneca
Uma lágrima de pano, escorrendo, cai.

Terminada a obra, olha-a com vileza
Olha-a fixo o maldoso Vladimir
E no meio do rosto marcado por dureza
Pela primeira vez se lhe viu um sorrir.

Estende a cadeira, senta nela a criatura
Que nem sei que nome lhe hei-de dar
E olhando-o por entre uma luz escura
Vlad fixa-o e começa a falar:

"Sou teu criador, faz algo que eu queira
Eu mando em ti, eu fiz-te perfeito
Criou-se um boneco pela vez primeira
E mostra o que vales, que a mim estás sujeito."

A chuva adensa-se, chega a trovoada
O mundo lá fora parece acabar
Mas o brinquedo, de alma magoada,
Já não consegue mexer-se ou falar.

Vlad enfurece-se, espeta-lhe um ferro
Espeta-lhe um ferro no coração de pano
Mas um trovão cai: Vlad solta um berro
Pois fora a ele feito o maior dano...

A trovoada passa, a chuva acalma
Mas no quarto tudo é confusão
E Vlad e o boneco, atingidos pelo raio
Encontram-se ambos estendidos no chão.




"Vladimir, vem, já chegou o bom tempo
Sai desse quarto e vamos passear
Apenas está frio e um pouco de vento
Mas não é algo que impeça brincar."

É a mãe que chama, Vlad abre um olho
Seguramente fora um pesadelo
Mas vê-se o medo 'inda em seu sobrolho
Que não conhecia, nunca soube vê-lo.

Mas então não se consegue levantar!
Braços, as pernas, nenhum dele se move
Quer ver que se passa, não se pode virar
E assombro no peito perturba e demove.



A mãe entra: "Vladimir, que é de ti feito?"
Vlad quer gritar, mas a voz não lhe sai
E é quando nota um ferro em seu peito
E que é de pano a lágrima que cai.

Um jovem passa; é dele o rosto que tem
Era ele mesmo, mas sabia não o ser
E levanta-se e dá a mão à sua mãe
E Vlad chora, não se pode mexer.




Mas não é que é seu o corpo que ele usa!
Ele, no chão, ele é o verdadeiro!
Aquele seu corpo é uma falha confusa
E as almas trocadas por um trovão certeiro!

O falso Vlad olha e fala com mansidão:
"Mãe, um dos meus brinquedos está estragado
É aquele além, estendido no chão
De ferro no peito e corpo parado."

"Meu filho-o, deixa, dou-te outro brinquedo
Chama teu pai para que o deite fora
A trovoada passou, já não temos medo
Vou contigo à loja sem mais demora."

O coração de Vlad partiu-se sem paz
E desvaneceu-se a alma que não sabia ter
E foi então que o brinquedo tornado rapaz
Saiu pela porta sem sequer o ver.


E esta é a história do Vladimir sisudo
Que por sete anos acumulou maldade
Que de rapaz feito de carne e ossudo
Passou a boneco sem voz nem vontade
Um ferro perfura-lhe agora o coração
Aquele coração que nunca soube ter
E antes sequer que pudesse ver
As brasas da lareira para o qual foi levado
Que o tornariam numa cinza perdida
E sentindo de longe o calor que emana
Verteu ainda uma lágrima humana e essa foi
A única coisa humana que soube fazer em vida.


Sem comentários:

Enviar um comentário