terça-feira, 25 de abril de 2017

O Filho Pródigo


Lento caminho pela estrada
Uma estrada deserta e árida, em linha recta
A minha vida toma a direcção da estrada
Sentido único, só comigo.

(Perdido no presente o passado é o que tenho
Ah, minto!
A agradável memória do meu soldadinho de chumbo traz-me uma sensação de alegria imensa.
Tinha um fato vermelho, o meu soldadinho
Com os botões dourados com uma linha dourada
E um nariz pequeno como o da minha mãe.)

Deixo uma pegada na terra molhada
Seguramente a única coisa que deixarei para o futuro
Não cultivei a minha vida
Quero água, mas o meu cantil está vazio
Tenho sede, mas o meu peito está vazio como o cantil...

(A minha mãe, oh, a minha adorada mãe!...
Há quanto tempo, minha mãe, que fugi de mim, de ti, de todos...
Quantas vezes cantei sozinho as tuas canções...
Ainda tenho sonhos com o avô, sabes...
Tenho medo que me leve sem piedade.
Hoje levarei um ramo de flores para ti.)

Vejo lírios à beira da estrada
A minha mãe adora lírios, colho-os para lhos dar
Brancos como os cabelos da minha avó.


(E a mina irmã? A minha pequena?
Vou ensinar-te, irmã, a ver as nuvens

Que não são brancas como os lírios, mas de todas as cores
Que são azuis, cincentas, vermelhas, laranja e cor-de-rosa,
Como as fitas que te amarram as tranças...)

Tropeço; cai-me a caixa de cigarros
O meu pai deu-mos,
Nunca os fumei,
Nunca queimei os meus pulmões,
Não obstante queimei a minha vida...

(O meu grave pai vai estar sentado no cadeirão do pátio
Com o seu cachimbo do lado direito da boca
O bigode negro fazendo curvas nas pontas
E eu vou fugir quando me falar do avô, seu pai
E eu vou pedir, chorando, que o avô não me venha buscar...)

Ah, a minha vida tão mais perto!
De volta, enfim, a cada memória que perdi.
O pinhal vai no fim, a luz está mais forte
E o meu coração enche-se-me com uma alegria de criança...

(Avó, tenho saudades tuas
Tantas cartas escrevi enquanto estive fora!
Nunca tas mandei, não tinha coragem
Apesar de saber que não guardas a zanga do meu pai ou a mágoa da minha mãe.
Sei que me entendes, mas não o entendi.
Tenho saudades, avó, muitas...
Ainda hoje penso nas noites à lareira e nas tuas histórias...)

Ah, a minha casa!
É a minha casa que vejo ao fundo!
Despojo-me dos meus bens, esqueço a caixa de cigarros
E estreito os lírios contra o peito
Não sou mais homem, sou criança
E corro de braços abertos como quando queria beijar a minha mãe.
O coração está descompassado, o rosto lívido
E eu abro as portas envidraçadas de rompante.

Minha mãe!
Meu pai!
Irmã, abraça o teu irmão!
Avó, o teu menino voltou!

Mãe, mãe, sou eu!
Não ouves a minha voz?
Trago-te lírios, as tuas flores preferidas
Mãe, vem buscar-me às escadas, que eu tenho medo do avô...

Os meus brinquedos! Estão todos cá!
A minha boneca de trapos ainda sorri de contente!
Os comboios estão no mesmo sítio em que os deixei!
E, oh, que alegria!
O meu soldadinho de chumbo!
Mãe, mãe, não me ouves? Onde estás?

Pai, o teu filho voltou!
Trouxe a tua caixa de cigarros
Fumá-los-emos juntos no pátio
E eu contar-te-ei as minhas aventuras...


Então, mãe?
Tu nunca foste assim...

Não ouves, não respondes...
Pai, onde estás?
Onde está a minha irmã?
Onde estais todos?

Avó, vem pegar no teu menino!
Avó, voltei para ti!
Dar-te-ei a ler as minhas cartas
Vem pegar-me ao colo, contar-me histórias!
Haverá novamente alegria nesta casa!
Acendamos a lareira,
Abramos as janelas!

Mãe, pai, onde estais?
Avó, tu nunca me fizeste isto quando eu te chamava!

(No pátio o cadeirão está coberto de folhas secas,
O jornal velho jaz ao lado
E o cachimbo partido arrasta-se com o vento
As janelas empenaram com o tempo
E a lareira está tão húmida que já não acende...)

... Minha mãe...?

... Meu pai...?

... Minha irmã...?

... Querida avó...?

... Alguém...?

Não esperaram por mim!
Perdi-os para sempre!
Não tenho nada, não sou ninguém
E não recuperei a minha vida...!

Perdoem-me!
Sou um fracasso!
Avó, perdoa-me...
Falhei para contigo e para todos!

(Longe toca o sino das horas
Observo longamente o cachimbo de meu pai
E os lírios para a minha mãe perderam-se com o tempo...)

Já nem me lembro do que fui
Sou a sombra do que fui outrora
Não há futuro
Resta-me o passo lento dos dias
Mais nada...

... Avô, onde estás?...
... Avô, já não tenho mais medo de ti...

Tenho sono, muito sono,,,
O vento já não me incomoda
Afasto os lírios murchos
Esqueço o cachimbo partido
E pouso o soldadinho de chumbo
E, sob a égide atenta do meu avô
Encosto-me a uma estátua em pedra
Fecho os olhos como uma criança
E sonho com as canções da minha mãe...


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