sábado, 17 de março de 2018

Klepsydra


Ela era a última do seu tempo
Saltou do botão negro do relógio
Direita à poeira cor de cinza
Ela veio com as ondas
Da alvorada, cheia
De ar, de vento
E nada. Ela era
A última
Era.

Ela era a última das esferas
Que rodam a compasso o coração
Ela caiu da árvore da Lua,
Órfã das estrelas. Na
Boca selada ‘stava o
Sinal do deus que
Cantava e ela era
A última
‘Sfera.
  
Ela era a última Galateia
Que os mares revolve acesa. Às
Ondas ergueu a testa muda
E queda, tão alta como
Antena, agudo olhar
De seta e ela era
Da sua casa a
Última que
Viera.

Ela era a última por ser ela
Os versos de rio brotando do chão
Ela era a última e por isso era
Dos deuses a pena da inquietação.



quarta-feira, 14 de março de 2018

Reges Esuriae

Ou de como Quatro Reis sem terra chegaram a Castro Marim


O primeiro rei veio na linha
Sombria do céu crepuscular
Os anéis de sal e mar rodando nos dedos de areia
O segundo rei teceu passagem
Nas cruas dunas do Levante
Perdidas as suas mãos torradas pelos beijos de mil sóis
O terceiro rei ergueu a noite
No punho a espada de meia-lua
E o sorriso das esfinges escondido na boca de uva

Só o quarto rei veio mudo e quedo
As veias da fria terra são seus cabelos
E a cruz que traz nos olhos junto ao peito
Lembra a branca aurora que, dourada
Se espalha lentamente de mansinho
Nas duras pedras rubras da calçada…



domingo, 11 de março de 2018

Phemonoe


Deitada sob o véu claro de estrelas
Dormias; e nas mãos, abandonada,
A lamparina alegre do astro-rei
Rodava a contraponto de ouro e mel
Que teces pela boca aveludada…

Os pés cruzando a terra, lado a lado,
Pendidos no suspiro de um repente
No seio de mármore triste e alvo
Pisam a piton que entrelaçada
Nos teus sonhos dança eternamente.

Erguida ao firmamento a fronte justa
Que das veias divinas se coroa
‘Sperando não se sabe como e quando
Chegar ao homem vão o duro mando
Com que o deus amoroso o abençoa,

Anoiteces; e elevando a branca luz
Ao espaço cor de bruma em que repousas
A Lua, dormitando embevecida
Sobre leves teias de céu e ar
Derrama pesarosa pela areia
A linha carregada oracular
Dos olhos que se vão na maré cheia.



quinta-feira, 8 de março de 2018

Paean


Poderás esconder os altares
A veia calma
Poderás esconder os abismos
Que guardas no espelho da alma

Poderás verter a preceito
Gota a gota, verdejando,
As estrelas que guardas no peito

‘Screvam crineias das fontes os versos que a terra nos deu
Colhidos por quem os deitou, chorados por quem mereceu

Poderás ainda afinal
Escrever na terra um sinal
De quem traz a aurora na mão

Poderás trazer tão somente
Uma nota
Uma só nota que traga fremente
A lira do coração

“Screvam nos frisos, colunas – erguidos ao céu que proclama –
Os hinos que trazem nascidos na sorte que ao fado vos chama

Trouxe um búzio no ouvido
Nas espirais desenhei segredos
Sussurros
Que rodam no mesmo sentido

Poderás esconder sete mares
Num Helesponto perdido
Trazer no búzio que roda
Perfumes de velhos ares
Pedaços de um sonho não lido

Parte um navio dourado rumo às costas perdidas
Leva segredos, grilhões de virgens adormecidas

Escondi dos deuses o nome das pedras
Onde derramo o vinho das minhas libações



segunda-feira, 5 de março de 2018

Pórtico


Ali, onde a terra acaba e o céu começa
Onde o silêncio gris se anuncia, ali
Ali, onde cruzes de pedra chamam nuvens
Ali por baixo delas dorme o deus…

Tem as costas aladas pelos ventos
Crescentes pela luz da alvorada
E os pés sob o riacho se revolvem;

O olho do falcão repousa na cabeça
Adormecida; a mão direita
Ergue-se como pináculo nas colinas
Escrevendo novas ondas nas montanhas…

Ao longe os pinheiros vergam-se como ovelhas
À passagem do mestre que as domina;
Ali, nas planícies tão tamanhas
Ali suspenso por canções velhas, o deus
Repousa sob o véu da neblina…

Pelas manhãs brumosas teci espigas
Vagando nos cabelos de água doce
Sobre a pele vermelha as oliveiras
Enterram as raízes no sangue do deus…

Na terra abri covais e neles
Estendi-me sob o céu azul de estrelas
Contando com a luz de novas eras;

Ali, onde a terra vermelha se revela
Onde o saber antigo se desdobra, ali
Ali, por baixo das cruzes de pedra crescem vimes
E ali por entre os vimes espera o deus

Não crê que assim o creiam por seu modo
Não cuida que se vai em céus cuidando
O deus, que do rio lhe toma o nome
O deus por revelar que em versos rodo
Vence o silêncio gris e vai sonhando…

Pintámos sóis de prata, eu e o deus e neles
As terras por nascer se vão criando…

domingo, 25 de fevereiro de 2018

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Breve

Um homem de elmo e cruz brilhantes
Atravessa uma longa escadaria;
Na tela, uma estátua transfigurada
Chora sobre um corpo lágrimas de pedra
E ali a moldura olha-nos, titubeante, 
Suspensa sobre a fragilidade das coisas

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Nocturno II

Ó branca noite dos sussurros e segredos
Que vou deitando, devagar, à cabeceira
Manda chamar a Lua tua mensageira
Manda-a romper do seu negrume os arvoredos;

Manda-a acordar como se fora um novo dia
As avezinhas que no céu já vi cantando
E nos outeiros o rio mando que corria
Possa afagar os meus anelos como dantes...

E quando o Amor vier voltar a sua face
A quem lhe reza com o coração nas mãos
Vem só, noite nova, aspergir nos sonhos vãos
Aquela estrela que a saudade quer que enlace;

E ela brilha, com fulgor, nos olhos dela
E ela clama por quem a queira olhar assim...
Ó branca noite, que os amantes acautela
Possa essa estrela vir morar dentro de mim!...

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Da Apatia

Sinto-me.
Não sei como me sinto.

Se albergasse em mim um deus qualquer
Cansado das quezílias do seu posto
De ferro e fogo e homens de barro, e cornetas
E trombetas
Troando nas montanhas durante algum Ragnarok;
Ou se, para efeitos de um qualquer desvario
Um palhaço louco se acometesse à multidão expectante
Num laivo de anedota tragicómica;
Ou se ainda, não refeito da sorte aborrecida,
Viesse um poeta taciturno de pena em riste
Os olhos meditando, o lábio tremendo
E, em me tomando por uma página em branco
Ditasse os seus laos, verbos, conjuros
Que profanassem como raízes o coração aberto em dois;

Talvez assim eu me sentisse ao menos como se soubesse
Como se em sabendo o que sentir me desse o mando
De poder sentir ao menos coisa nenhuma
Que é dizer, de saber-me ao menos morto
E irremediavelmente morto
Sem noites de estrelas, ou sonhos, ou flores e lençóis de renda
A enfeitar o passo lento das horas mortas...


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

XLVI

Eu sou o porto d'oiro onde nasci
O barco que procura eternamente:
Eu sou da desditosa e nobre gente
E canto o que não cuido e que não vi...

Eu sou os sonhos claros que colhi
Trago por escudo duro os céus, somente;
Eu sou o vulcão escuro, forte e quente
Que crava a terra plana de rubi!...

Eu sou. Tomo ilusões por minha estrada
E deixo no mar d'alma macerada
As velas dos veleiros, sós, passar;

Eu sou de ser quem sou ou tudo o nada
A sombra vagarosa, iluminada
De estrelas no céu turvo a soluçar!...

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Opheliorum

Perdido, bóias sobre as águas. Ao longe,
Encoberta sob o sol do meio-dia
A Lua avança pesarosa e, cismando,
Vela longe e alta o teu corpo morto.

Recolho-o no meu seio. O teu corpo frio
Beijado pelos nenúfares embevecidos
Conta a história dos arbustos e dos líquenes
Daqueles que cresciam junto à fonte
De que os sedentos de amor bebiam...
Quebrados, junto ao peito inerte,
Dois juncos baixam as cabeças adormecidas...

Que dizer, meu amor, das esperas
Pelas quais, em abrindo o véu de estrelas,
Escrevíamos altas preces na noite escura
Esquecidos já os sonhos, longe a calma
O rio cantando azul e na minh'alma
Cirandando sem cessar e a compasso
O som do coração que se condena?
Assim passou a espera e passou longa
Longa de leves longos rios levando
E a vida, a nossa, meu amor, edificando!

Anoiteces; na tua testa ápia
Leio os sinais de luz que te levaram;
A pele verdejando da água que te embalou
Beijo-a eu com rosas viçosas nos lábios.
Julguei querer-te assim, eternamente,
Endymion dormindo nas minhas mãos de Lua
Sereno eternamente, como quem espera
Dos deuses a promessa do novo dia!...

O rio passa como a vida que passa
O remo do barqueiro serpenteia sobre as águas
Ninfas de água doce beijam-te os pés defuntos
E cabelos dos chorões que se debruçam junto ao rio
Vão sobre os teus olhos negros balouçando...

Ao longe o mar medonho se amotina
Bordas do rio, leitosas, vão subindo
As flores brancas de nenúfar fecham as suas corolas
E as ninfas afastam-se num suspiro dolente
O teu corpo reclama-o o mar e, com ele,
A imensidão de um mundo que não mais te conhecerá os ossos...
O teu corpo é um veleiro branco, deslizando para o mar
Dedos de mastro, mãos de quilha apodrecida
E sem a alma que o ensine a navegar.
Os meus lábios de rosa perdem a cor, macerados
Caem pétalas de sal dos olhos tristes
E os espinhos da roseira junto ao peito
Cravam sem dó nem pena o coração.
Longe, o teu corpo é só mais uma váguea perdida
As ondas do mar salgado por mortalha:
Em ti navegam todos os sonhos simplesmente mortos...

(Do barqueiro não espero pena ou caridade
Antes levo o óbulo servilmente na minha boca
E debruço a fronte triste em seus joelhos
"Dorme, dorme, meu amor,
Dorme com os anjos do mar...")






Adeus, adeus meu amor
Não mais a terra, a fonte é já perdida
A seguir só o horizonte áureo em que te sonho...

Adeus, meu caixão de vidro... e é sonhando
Que vejo os teus olhos de sol e os suponho
Num reino de não sei como e não sei quando!...


quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Tempus Lactis

An tSráid na Bríde

Na mais escura das noites
No mais secreto dos céus
A chama leva a noite;

Não sabe por quem brilha ou por quem ver
Não queima, sendo sua, a branca Lua
Só sabe ser a pena que flutua
Por entre a sombra clara do amanhecer.

A chama leva a noite e leva a terra
Saltando mão em mão pelas campinas
No céu a estrela d'alva, no chão neve
Beijava serenas flores pequeninas
E nos campos da noite ternamente
Tremendo nos estames da amargura
O Sol chegou em flor e, sem aviso,
Em cada pé de terra mansamente
Fechou em cada esquina a Lua escura
Sorrindo na corola dum narciso...




quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

domingo, 21 de janeiro de 2018

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

sábado, 6 de janeiro de 2018

XLV

Faz frio nas campinas, longe chove
Ulula o vento norte nas montanhas
Na terra ouço cantar vozes tamanhas
Num uivo que me assombra e me comove...

O choro das corujas se demove
Ante o véu de luzes que são estranhas
E não há truque vil ou artimanhas
Que no peito calado se não prove...

A Lua circunscreve a Terra inteira
No seu voo imenso e circular
E é sua a saudade, a maré cheia:

O vento traz segredos, flores aos molhos
E é minha a mordaça secular
Da noite que se estende nos meus olhos...



quarta-feira, 3 de janeiro de 2018