Vem, meu irmão que te aproximas,
Segue o teu caminho, escuta a minha voz
Aquela que ouves, perdida, no nevoeiro cinzento
Aceita o meu convite e descansa os teus pés cansados
da viagem
E a ti te dou a minha bênção:
Comigo tenho a chave das portas da montanha
Leva-a e entra, mas quando abrires as portas
Marca o teu rosto como chave para a visita
E imagina seres um cântaro vazio
De que os deuses se esqueceram, abandonado à sua
triste sorte
E nessa altura eu seguirei contigo
A minha voz na tua cabeça
E a montanha no teu coração…
Vem!
Vem que eu ensino-te a fazer navios de cascas de nozes
E o deleite de neles ensinares os teus sonhos a
navegar
Ensino-te a atravessar os caminhos sem deixares
pegadas que sejam tuas
E a magia de sentires uma estrela brilhante dentro do
peito
E todo tu te abrires em flor…
Por entre a escuridão das terras revoltadas
descobrirás o calor do Inferno
Mas que as suas chamas são a vida para o Paraíso que
transporta
Onde o verdadeiro diabo não é mais que um artífice
Que amassa a argila que os deuses criaram…
Podes pertencer aos homens e alguns homens
pertencerem-te a ti
Podes guiar mil seres e outros tantos beijarem-te os
pés
Podes deitar as mãos ao barro e dele fazer maravilhas
Que, no fim, quem te seguirá com fé inquebrantável?
O que sobreviverá ao tempo imperdoável?
Quem te amará tanto como a si mesmo?
Apenas as montanhas continuarão a erguer os seus
pináculos de catedrais
Apenas os campos darão o seu regaço ao luar
Apenas os sinos do alvorecer ecoarão no horizonte
E no meio da maior das tempestades só as árvores se
manterão
Como mastros de um barco que enfrenta a mais cruel das
ondas
O maior dos vulcões criará o mais belo dos diamantes
A terra rebentará, os penedos cederão
E os rios e as lagoas assomarão com o seu exército de
cristal
E apenas eles estarão lá para te matar a sede…
Vem e ouve!
Vem e escuta o som do sangue das montanhas nos regatos
que desfazem a terra!
Vem e curva-te diante dos rochedos, os anciães da
montanha!
Vem e vibra quando ouvires, ao longe, as trombetas
proféticas das avalanches
E treme com o gelo que estala como o ribombar de um
trovão!
O meu rosto ostenta as rugas de mil Outonos
Mas a minha alma canta como uma andorinha na
Primavera;
A minha pele está queimada com as marcas de mil
Invernos
Mas o meu coração arde e inflama-se num Verão eterno!
Mas não chores, meu irmão, não chores mais
Descansa as tuas rugas, a tua alma, a tua pele e o teu
coração
Também o céu precisa de chorar para te trazer as
flores na Primavera
Deita as tuas lágrimas ao vento, semeia-te e
cultiva-te:
Que o teu coração não conheça mais senão flores
Que as tuas mãos não colham mais senão flores
E ensinem os outros a plantar flores
Que a tua boca não profira mais senão palavras
perfumadas
Que a chuva seja o teu baptismo de todos os dias
E que o Sol quente no teu rosto seja o último beijo
que levas desta vida…
(Quando a minha alma atravessar o rio despojar-me-ei
de tudo
Não me importarei de deixar tudo
Mas rogarei a Deus no seu trono de estrelas que tenha
piedade de mim
E que me deixe levar comigo como último bem desta vida
um pedaço de terra
Um pequeno e simples pedaço de terra
Para levar comigo a recordação dos montes e dos vales
perdidos…)
Quando saíres guarda a chave
Fecha as portas da montanha, limpa o rosto e ajoelha-te
só contigo
Sente o vento pentear-te os cabelos com ternura
Planta as tuas mágoas para que se transformem em belas
árvores viçosas
E aprende a força dos rochedos silenciosos
E, quando a montanha adormecer no nevoeiro cinzento,
Aproxima o teu rosto do seu rosto e, com um suspiro de
amor,
Beija a mãe que te embalará na sepultura…
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