domingo, 25 de junho de 2017

XXV

Não cuides, vã Senhora, que bondade
Existe num coração macerado
Nem cuides ter p'ra ti um doce estado
Como se um dia olvidara tal maldade...

Sonho só com mentiras, não verdade
Por certo dia digno, tão 'sperado
E em que sonharás estar a meu lado
Sem que eu te queira mostrar piedade.

Quedo-me largas horas vãs cuidando
Verte chorar, perdida, como uma criança,
Não tendo meu rancor seu lume branco;

E, sabendo impossível, mas 'sperando
Que em me qu'rendo e um dia te expulsando
Minha alma possa ter sua vingança...

quarta-feira, 21 de junho de 2017

XXIV

Senhora de olhar franco, puro, agreste
Senhora a quem, triste, dei a vida
Que saudades que te dês a mim, perdida
No calor dos vãos beijos que me deste...

Mas nada é para sempre e tu quiseste
Sem cuidar de minha alma vã, ferida,
No meu coração morrer esquecida
E tirar o sangue todo, que bebeste...

E é chegado o tempo em que, afinal,
Senhora, nem vos amo nem adoro
Pois sois fonte perene do meu mal;

Mas por que é que, cuidando que eu ignoro
Usais uma coroa de cristal
Retirado das lágrimas que choro?

sábado, 17 de junho de 2017

XXIII

Por ruas sem sentido eu me demoro
Envolvido em minh'aura grande e dura
No que é belo eu não vejo formosura
Nem pelo tempo que passa eu imploro...

Atormentam-se as verdades que ignoro
Perdem as flores secas a candura
No sorriso morto gela a doçura
E rindo com fervor às vezes choro...

Meu castelo é um quarto sem janelas
(Que em verdade nem quero nem posso tê-las)
E partilho os meus sonhos só comigo;

Mas o que vale de mim ser senhor
Se meu amo é o cru e vil Amor
E do teu claro olhar eu sou mendigo?

terça-feira, 13 de junho de 2017


XXII

Num castelo no cume da montanha,
Assim contou meu pai, viveu um dia
Um Rei mouro que sabia magia
Mais a sua companheira: uma aranha...

Lá em cima havia coisa 'stranha!
Ele era feiticeiro, se dizia,
Que quis fundir-se com a pedra fria
Como a água que na terra se entranha...

Uma noite, boa mãe, vi-o à janela
Ao voltar trouxe uma pedra amarela.
- Ai, teu pai, que só conta fantochadas!

A aranha desce o tecto, cai no chão
E, em pedra, vibrando com diversão,
No meu bolso o Rei solta gargalhadas...

sexta-feira, 9 de junho de 2017


XXI

Sentada em seu trono de estrelas, sonho,
Uma Lua branca, cheia, assim pensa:
"Não há ser vivo que tenha indif'rença
À minha beleza, assim o suponho..."

'Sperou a noite; já o Sol risonho
Se estendeu c'o dia (é de outra pertença)
E, satisfazendo a sua querença,
Debruça-se a Lua no mar medonho:

"Mas quem é esta que vive no mar
Mais bela que eu, tão curva, invulgar?"
E, virando o rosto, ficou sisuda;

E; noite após noite, de inveja e mágoa
Não entendeu que o que vira na água
Era o seu rosto que c'o tempo muda

segunda-feira, 5 de junho de 2017


XX

Deitado em seu leito feito de estrelas
O Rei, mergulhado em sono profundo,
'Spalha as coroas p'los confins do Mundo
'Sperando por quem venha a merecê-las...

O seu reino é um quarto sem janelas
Perdido longe o ceptro rubicundo
A 'spada lançada a um poço sem fundo
Junto ao peito, umas flores amarelas...

Nisto uma luz se acende num repente;
Será então uma alma transparente
Que encontrou a c'roa (quem o soubera)?

Sem alma a luz passa e o sonho é desfeito
E solitário, sonhando em seu leito,
No vazio do espaço, o Rei espera, espera...

quinta-feira, 1 de junho de 2017


XIX

Conta-me histórias... acende a lareira
Veste um casaco,  lá fora faz gelo
Conta-me histórias, penteia o cabelo
E põe os óculos que estão à beira...

Conta-me histórias... Trouxe uma cadeira
Pousa a lã, as agulhas e o novelo
Conta-me histórias, ouve o meu apelo
Traz leite e pega o livro à prateleira...

Senta-te, põe os teus xailes singelos
Na cabeça um chapéu, calça os chinelos
Como te vejo 'inda em minhas memórias;

Pois em alma 'inda sou uma criança
Que, p'ra si, incessante e com esperança
Te pede: minha avó, conta-me histórias...